Todos nós sentimos a pandemia do coronavírus, de uma forma ou de outra. Sinto, inclusive, que jogou a humanidade a uma crise pela sobrevivência que obriga todos a serem mais cooperativos. Nesse sentido, a história do cooperativismo se relaciona ao atual momento da sociedade. Por sobrevivência, diversos setores foram lançados ao cooperativismo digital: agronegócio, crédito, vendas de varejo, saúde, autônomos.
Oficialmente, o movimento cooperativista começou na Europa, em meados do século 19. Trabalhadores perceberam que, juntos, poderiam fazer compras em larga escala e, assim, conseguir preços melhores. É mais ou menos o que vem ocorrendo atualmente: empresas e pessoas vêm encontrando soluções cooperativas para driblar a crise.
Podemos resumir uma cooperativa como uma organização que oferece produtos e serviços acessíveis e facilita as vendas dos cooperados. De quebra, ao final de um período, eles recebem os lucros derivados do negócio. Em nosso país, quando falamos em cooperativas, a associação imediata é ao agronegócio e ao crédito, dois ramos altamente maduros no Brasil e ainda mais propensos ao cooperativismo digital e à inovação aberta.
Afinal, o que é cooperativismo digital?
Em um ambiente cooperativo tradicional, as pessoas se unem para atingir escala e novos mercados. Vamos pensar no agronegócio: agricultores que poderiam ser independentes e concorrentes têm a oportunidade de venderem juntos e estocarem produtos em silos de uma mesma cooperativa, por exemplo. A situação não muda de figura quando pensamos no cooperativismo digital:
- Trabalhadores, empresas ou mesmo uma união de cooperativas podem unir esforços para melhorar o ambiente de negócios;
- Podem negociar tecnologias como e-commerces, softwares e produtos que, sozinhos jamais conseguiriam;
- Fazer parcerias com universidades e startups para desenvolverem soluções conjuntas;
- Negociar soluções de educação à distância para ampliar o conhecimento de cooperados e colaboradores, ou ainda criar uma unidade de ensino cooperativa;
- Reduzir custos de fornecedores ao dividirem, por exemplo, as despesas de um sistema logístico de entregas inteligente.
Percebemos que vários desses exemplos foram colocados em prática durante a pandemia. A negociação conjunta, ou seja, o cooperativismo foi determinante para a sobrevivência de diversos negócios. Afinal, praticamente do dia para a noite, empresas que não tinham a capacidade de fazer vendas online precisaram rever sua estratégia.
Gigantes do varejo, como o Magazine Luiza, já vinham permitindo que empresas médias e pequenas utilizassem seu site de vendas, o Magalu. Estabeleceu-se aí um sistema de cooperativismo digital: consumo, infraestrutura e transportes foram três ramos unidos em uma grande plataforma tecnológica. Vemos, assim, empresas cooperando entre si.
Cooperativismo digital e inovação aberta
Dentro da própria cooperativa, desenvolver um ambiente de acesso à inovação é desafiador e recompensador. Quando falamos sobre o conceito de inovação aberta, estamos nos referindo a criar um ecossistema propício para que os principais stakeholders identifiquem oportunidades de melhorias do negócio, dos processos e auxiliem a mudança de paradigmas que permitam a transformação digital e a criação de serviços adjacentes para cooperados.
Leia também: O que é inovação aberta
Basicamente, para inserir o cooperativismo digital na inovação aberta precisamos identificar problemas e oportunidades. Nós da Haze Shift temos uma metodologia para apoiar nessa identificação, criando mecanismos de aproximação via programas de mentoria, com universidades e startups ou mesmo empresas criadas dentro da própria cooperativa, para garantir soluções e inovações.
Como já falamos neste artigo, uma cooperativa pode, inclusive, se unir a outra. No cooperativismo digital, isso pode ocorrer por uma parceria corporativa e tecnológica. A partir do intra-empreendedorismo, uma empresa focada no ambiente digital pode ser criada para atender a duas ou mais cooperativas de uma mesma região, garantindo melhores preços para negociar softwares e acompanhando novidades do ramo cooperativista em questão.
Cooperativas também podem unir esforços, por exemplo, para investir em uma startup que melhore os processos do negócio. Tudo isso tem a ver com o cooperativismo digital e a inovação aberta. O lucro, no fim das contas, pode acabar para os próprios cooperados.
Cooperativismo e uberização das coisas
Perceba que, até agora, não falamos sobre a uberização das coisas. Criou-se até mesmo um preconceito quanto a esse termo, o que me parece errado. Eu daria rapidamente a seguinte definição a uberização das coisas: uma oportunidade para conectar consumidores a fornecedores de serviços de forma cada vez mais personalizada a um clique de distância.
Aqui também entra o conceito de Gig Economy: basicamente, uma economia de demanda, onde trabalhadores oferecem serviços temporários, como freelancers ou sob encomenda geralmente através de aplicativos ou portais específicos para prestadores de determinado serviço. Durante a crise do coronavírus, essa virou uma oportunidade porque muitas pessoas perderam o emprego. Um exemplo são pessoas que resolveram trabalhar em aplicativos como motoristas ou entregadores.
Neste ambiente, os recentes protestos de motoboys certamente causam certa pressão nos aplicativos. Houve quem sugerisse aos motoboys montar sua própria cooperativa de entregas. Faz sentido, mas é preciso levar em conta quantos entregadores estariam dispostos a seguir no ramo de entregas ao invés de voltar a seus empregos de antes da crise. A rotatividade de associados da cooperativa seria um desafio.
Da mesma forma, desconheço associações de bares e restaurantes do Brasil com sistemas próprios de entregas em aplicativos. Perdem, portanto, a oportunidade de desvendar o cooperativismo digital, já que as taxas dos apps tradicionais chegam a superar os 20% da venda para esses comerciantes.
Lá fora e por aqui
É importante deixar claro que movimentos nesse sentido são viáveis. Na Europa, existem cooperativas de plataforma, onde os próprios entregadores fazem contribuições e controlam as ações para melhorar o salário e as condições de trabalho. Por lá existe uma federação de entregadores de bicicleta chamada CooCycle: cooperativas de plataforma de Madri, Berlim, Londres, entre outras cidades que se unem para trocar ideias. Confira neste documentário:
Na minha opinião, no Brasil, vejo que esse movimento de cooperativismo de plataforma poderia ser puxado pelos próprios restaurantes e bares em formato de ecossistema como um diferencial para romper barreiras de monopólio de entregas, concentrado em poucas empresas de apps.
Claro que, uma vez organizados, os entregadores também poderiam fazer isso. Contudo, o desafio pode ser maior, já que 70% dos entregadores do iFood, por exemplo, são pontuais, segundo o próprio vice-presidente de estratégia e finanças do iFood, Diego Barreto, disse nesta entrevista.
Como podemos ver, o cooperativismo digital está muito presente no dia a dia de todos nós. Eu me comprometo a falar cada vez mais sobre esse assunto, algo que parece novo na sociedade brasileira, mas que está presente. Gostaria, portanto, de fazer um convite a você: vamos marcar uma call e falar sobre isso. Deixe seus comentários e dúvidas: vamos conversar.