Antes de explicarmos o conceito de economia circular, faço uma pergunta: você já parou para pensar na forma que consumimos e como descartamos produtos que ainda funcionam? Por exemplo, quando um copo de liquidificador quebra, é mais fácil comprar um liquidificador novo do que encontrar um copo compatível.
Somos estimulados ao consumismo e ao desperdício a todo momento. Os produtos são redesenhados todos os anos para que você deseje trocá-los mesmo que ainda funcionem perfeitamente. O design na indústria atual se limita a criar um produto atraente que seja acessível às pessoas, siga as regulamentações, que alcance um bom desempenho e dure o bastante para atender às expectativas do mercado.
E nós já estamos pagando caro por isso. Estima-se que em 2050 tenha mais plástico no oceano do que peixes. Apenas 14% do plástico do mundo é reciclado, o restante vai nos acompanhar por centenas de anos como um problema que precisa ser resolvido.
Já temos consciência de que esse modelo de economia linear traz consequências negativas, então é preciso mudar os critérios do que é um bom design. Um produto não pode ser considerado de boa qualidade se ele pode ser tóxico para pessoas e para a natureza, ou se os materiais não têm mais utilidade após o primeiro uso.
Conceito de economia circular
Na economia circular, os processos industriais são realizados de forma que os recursos não sejam somente explorados e descartados como acontece dentro da lógica de economia linear, mas sejam reaproveitados em um novo ciclo. Assim como a Levis que utiliza jeans usados como matéria prima na confecção de novas peças. Dessa forma, segue uma lógica cíclica semelhante aos sistemas naturais.
O livro Cradle to Cradle (2002) de Willian McDonough e Michael Braungart traz os fundamentos dos 3 princípios da economia circular. Conheça cada um deles:
1 – Resíduos são nutrientes: dois ciclos da economia circular
Se a natureza funciona a partir de uma lógica cíclica, esta pode e deve ser mimetizada nos processos produtivos. Nesse sentido, cada material tem o seu devido valor e pode ser recuperado ao final de cada ciclo de uso. Para isso, trabalha-se a distinção entre dois ciclos da economia circular: o técnico e o biológico.
Esta distinção é a base do gráfico borboleta desenvolvido pelos autores do Cradle to Cradle para a Fundação Ellen MacArthur. Confira:
Fonte: Site Ideia Circular
2 – Energia limpa e renovável
As empresas devem ir além de buscar eficiência energética. Elas precisam utilizar fontes de energia limpa e renovável, como energia solar, eólica, hídrica ou de biomassa. Ao fazer isso durante o processo de fabricação, deixam de usar combustíveis fósseis finitos e mais poluentes.
3 – Celebrar a diversidade
A ideia é estar aberto à diversidade de soluções, levando em conta o local e cultura onde a indústria está inserida. Além disso, a economia circular é pensada para além dos modelos industriais já existentes. Existe o enriquecimento de oferta de produtos e serviços a partir das particularidades do público ou da região em que está inserido. Acredita-se que sistemas mais diversos são mais resilientes.
Agora vem comigo ver a aplicação desses princípios na prática com a Braskem, maior produtora de resinas termoplásticas das Américas e líder mundial na produção de biopolímeros. Em prol da matéria prima reutilizável, desde 2009 investe em novas resinas de origem renovável, como o plástico verde feito à base de cana-de-açúcar.
Pela energia renovável, a Braskem tem a meta de alcançar a neutralidade de carbono até 2050. Para isso, fará a compra de energia solar de uma multinacional francesa por 20 anos. Além disso, a Braskem já instalou usinas solares em Minas Gerais, no Rio Grande do Norte e um parque eólico na Bahia. Com estas ações, eles esperam reduzir a emissão de carbono em 130 mil toneladas nas próximas décadas.
Em prol da diversidade local, a multinacional apoia 149 cooperativas de reciclagem no Brasil, com iniciativas de inclusão social e desenvolvimento socioeconômico envolvendo 61 mil pessoas neste processo.
Ainda tem outras ações, o compromisso completo da Braskem com a economia circular está aqui neste manifesto.
Ficaram claros os princípios da economia circular? Então ficará fácil entender onde se encaixa o processo de design circular.
Design circular
O design circular é a aplicação dos conceitos do design no contexto de economia circular, por exemplo, o design de produto, que é a disciplina base para a criação de novos produtos industrializados pode criar coisas incríveis. Contudo, se não for embasado nos conceitos da economia circular, esse produto pode vir a usar matérias primas difíceis de serem recicladas. Ou seja, seu processo produtivo será altamente poluente ou mesmo um produto de ciclo de vida curto com descarte imediato na sequência.
Nesse sentido, com sua estrutura de trabalho bem definida, as bases do design circular são os mesmos da economia circular:
Confira a descrição de cada um desses elementos do design circular:
- Entender o usuário consumidor assim como o sistema em que o produto estará inserido.
- Definir: Dar clareza ao problema e o desafio a ser enfrentado.
- Fazer: Idear, criar, prototipar e testar o tanto quanto possível antes de colocar no mercado.
- Lançar: Coloque a solução a teste, envolva todos os stakeholders. Não pense apenas no usuário final. Aprofunde a sua percepção da relação do produto com o mundo a sua volta.
Quem conhece o design thinking, ou outras disciplinas do design verá a relação direta entre elas. Ali também estão as ferramentas iniciais de trabalho. Para conhecer melhor as ferramentas, sugiro fortemente que você visite esse site.
Inovação e sustentabilidade
Eu já comentei uma vez no site da comunidade Inovadores e Inquietos que inovação e sustentabilidade estão mais conectados do que a gente imagina. Sem inovação, as empresas perdem competitividade. Elas passam a viver numa condição de luta pela sobrevivência. Do mesmo modo, quem não investe em sustentabilidade está colocando seu lucro de curto prazo acima da sobrevivência de longo prazo. O foco acaba sendo apenas em produção e venda mas não no equilíbrio do planeta e da sociedade que as sustenta.
Tornar seu negócio parte da economia circular é possível, os setores de inovação e sustentabilidade precisam trabalhar em sinergia para buscar soluções. Por exemplo, é possível investir em energia renovável, mapear se os resíduos ou embalagens podem ser reciclados ou se tornar matéria-prima novamente.
Por exemplo, o que você faz com os computadores ou celulares obsoletos em sua empresa? Em Curitiba, é possível doar seus equipamentos para o projeto TechGirls. Um grupo de voluntários irá restaurar e formatar o equipamento depois doar a uma empreendedora de baixa renda que receberá o aparelho e um curso de capacitação e de marketing digital. Assim, ela passará a oferecer seus produtos e serviços também on-line, sendo parte de uma inclusão digital graças a um equipamento de sua empresa que até então estava parado.
Economia circular e níveis de reciclagem para o novo ciclo
Existe um conceito que classifica a reciclagem na economia circular em 3 níveis: upcycling, recycling e downcycling.
No upcycling o resíduo se torna matéria prima para algo de maior valor do que o original. No recycling, se converte em um material com aproximadamente o mesmo valor que tinha antes, e no downcycling é utilizado em algo de menor valor, mas ainda assim tem sua utilidade.
Vou exemplificar com um case real. Na Sicília há um grande cultivo de laranjas e frutas cítricas que se tornam alimentos e bebidas. O processamento das frutas gera toneladas de cascas.
Uma parte dessas cascas são utilizadas na alimentação do gado (recycling). Outra parte se torna adubo ou vai para aterros sanitários (downcycling).
Duas estudantes de design perceberam que boa parte das cascas é constituída por celulose, que poderia ser transformada em fios têxteis (upcycling). Após 3 anos de trabalho, elas criaram um novo tipo de tecido: a sarja Orange Fiber. Ela é composta 50% de fibra de celulose de laranjas e 50% de seda orgânica. O tecido foi incorporado nas peças da coleção primavera-verão da marca de luxo italiana Salvatore Ferragamo, em 2016.
Para finalizar essa conversa…
Há muitos recursos que são descartados e podem, de fato, se tornar materiais de alta qualidade. Mas para isso é necessário pesquisa, esforço e investimento para que se obtenham retornos a longo prazo.
Aqui fica claro que inovação, sustentabilidade e economia circular se conectam, e a ferramenta que estimula essas soluções criativas que vão impactar positivamente o mundo no longo prazo é o design circular. Ademais, posso recomendar outra leitura? Neste texto, explico o que é design estratégico e porque isso precisa fazer parte do seu negócio.
Por fim, você ficou com alguma dúvida? Nós da Haze Shift estamos à disposição para conversar com sua empresa como aplicar a inovação a partir da óptica do design circular. Vamos conversar!