Desde o início da pandemia, parece existir uma corrida por soluções à distância para a saúde. Porém, essa questão vai muito além dos atendimentos remotos proporcionados pela telemedicina. Por exemplo, como empresas consolidadas do setor de saúde podem agregar valor aos seus negócios com o apoio de startups de telemedicina e de saúde, por exemplo, que muitas vezes acabam sendo também concorrentes?
Recentemente, aqui mesmo no Blog da Haze Shift, eu comentei sobre algumas oportunidades e tendências, em especial para operadoras de planos de saúde. Mas eu quis continuar o debate e fui atrás de algumas respostas para entender ainda melhor este mercado das healthtechs. Para isso, nós convidamos o Cristiano Teodoro, co-fundador da startup de telemedicina Atende Doc, para juntos oferecermos alguns insights. E algumas frases marcantes dele eu vou deixar aqui. Leia primeira delas:
Muitas coisas já estavam em ritmo acelerado nesse mercado antes mesmo da pandemia. As healthtechs já são realidade e estão ocupando espaço e fazendo frente a modelos tradicionais de negócios.
Healhtechs concorrem com empresas tradicionais
Realmente, startups de saúde parecem ser a bola da vez dos investidores. Segundo relatório do Distrito, apenas em 2020, as healthtechs do Brasil receberam R$ 106,1 milhões em aportes – 70% a mais que 2019.
E você sabe quem está investindo nelas? Grandes players do mercado de tecnologia e de saúde. Isso significa que elas têm potencial para chegar onde mais esperamos: em todos nós, que precisamos monitorar a saúde, e a pacientes que precisam de tratamento.
A Memed, por exemplo, é uma startup que agiliza a prescrição médica por meio digital e chamou a atenção de um fundo exclusivo de healthtechs, a DNA Capital, que injetou em junho de 2020 R$ 300 milhões na startup, o que financiará, além da operação um marketplace de medicamentos.
Vejamos outro exemplo, esse da startup HiLab, de Curitiba. Ela concorre diretamente com laboratórios de análises clínicas. A diferença é que a Hilab faz isso de forma remota. E, como bem nos lembrou Cristiano, o ritmo de desenvolvimento de soluções como essa é anterior à pandemia.
Em 2016, essa startup recebeu aporte de fundação, da Positivo, com a meta de realização de exames em farmácia, com laudos assinados em 30 minutos por profissionais de saúde. Eles já conseguiram chegar a mais de mil cidades com um portfólio de mais de 20 exames. Com o sucesso do negócio, em 2020, receberam aporte de US$ 10 milhões da Península, do empresário Abilio Diniz, e do fundo Catalyst, da Endeavor. A ideia é ampliar o portfólio de soluções e expandir internacionalmente.
O que empresas tradicionais podem fazer?
Se um negócio, como o da Hilab, funciona tão bem em parcerias com redes de farmácias, será que algo similar não funcionaria em parcerias com consultórios, clínicas, planos de saúde para oferecer aos seus clientes/pacientes? É algo a se pensar. E grandes laboratórios de análises clínicas também podem se movimentar em tempo para acompanhar essas transformações.
Contudo, uma grande dúvida das empresas em geral, é sobre como fazer esse movimento em favor da cultura da inovação. E é aqui que precisamos sair do atendimento ao paciente para entender o modelo de negócios. Afinal, nem sempre é possível injetar dinheiro como fazem grandes corporações e fundos de investimentos, e que destacamos acima. Mas sempre é viável trazer parceiros externos, como startups, para crescer juntos. Essa é rota 04, uma das rotas de inovação aberta, chamada de inovação colaborativa, onde existe uma união de forças para os processos de desenvolvimento ou também podemos indicar a rota 25, laboratórios de co-criação. E isso é inovação aberta.
Leia também: Como hospitais, planos de saúde e clínicas estão se preparando para o pós-pandemia
Para que aconteça esse casamento entre startups de telemedicina e de saúde em geral e empresas tradicionais de saúde, a aproximação precisa acontecer fora da estrutura padrão de compras e relacionamento comercial das empresas.
Eu diria que o primeiro passo é dedicar tempo para encontrar o parceiro certo. Nós da Haze Shift, por exemplo, temos expertise em fazer hunting e triagem de startups sempre com foco na experiência positiva que elas podem trazer para os clientes de nossos clientes. E aqui segue um outro conselho do Cristiano:
A pandemia mostrou que nem todo mundo tem smartphone, basta ver o problema de pessoas que não conseguiram cadastrar o auxílio emergencial por exemplo. Vimos que pessoas tinham dificuldade de acessar e mexer com o digital. É por isso que precisamos criar uma experiência para o usuário, criando um fluxograma de valor que permite que as pessoas possam usar. E é por isso que a telemedicina é um meio e não um fim.
Medicina 4.0 e 5.0: diferenças e o potencial de startups de telemedicina
Primeiramente, precisamos refletir que a capacidade de conexão à internet ainda é limitada no Brasil, o que pode mudar em breve com a chegada da tecnologia 5G ao país. Mas mesmo que isso ainda não esteja disponível, temos à disposição uma série de recursos que podem democratizar o atendimento de saúde. Portanto, vale primeiro entender rapidamente nas palavras de Cristiano o que é a diferença entre Medicina 4.0 e a 5.0:
A medicina 4.0 atua nos procedimentos, por exemplo, com robôs que representam a extensão da tecnologia até as salas de procedimentos. Quando consigo dar acesso remoto ao paciente e ao médico, estamos falando da Medicina 5.0. Isto é, significa tornar acessível tudo isso com o maior número de pessoas. O paciente vira o foco das soluções quando temos conectividade.
O que ele quis dizer com isso? Que a acessibilidade é essencial para que pacientes tenham a possibilidade de alcançar os produtos disponibilizados pelas startups. Nesse sentido, o desafio tanto de startups de telemedicina e de saúde quanto das empresas tradicionais do setor é imensa: elas precisam oferecer um pacote de benefícios acessível também à rede de internet de seus usuários.
E é nesse ponto que uma consultoria de inovação como a Haze Shift pode ajudar. Afinal, antes de formalizar uma parceria com uma startup de saúde, os laboratórios, os planos de saúde, os hospitais, as clínicas e os outros atores do setor precisam levar em conta o perfil de seus clientes, ou o perfil de pessoas que eles buscam atender.
Conceito
Inclusive, até mesmo antes do boom das healthtechs, algumas soluções simples já colaboravam com a pré-triagem de pacientes antes de eles precisarem ir a um hospital ou consultório. Uma prova disso é que já em 2002 o Conselho Federal de Medicina (CFM) emitiu uma resolução (1.643/2002) conceituando a telemedicina:
- Utilização de metodologias interativas de comunicação audiovisual e de dados, com o objetivo de assistência, educação e pesquisa em Saúde;
- Os serviços prestados por meio da Telemedicina deverão ter a infra-estrutura tecnológica apropriada, pertinentes e obedecer às normas técnicas do CFM
- Em caso de emergência, ou quando solicitado pelo médico responsável, o médico que emitir o laudo a distância poderá prestar o devido suporte diagnóstico e terapêutico.
Por exemplo, já existiam os chamados 0800 para pré-triagem antes da pandemia. Contudo, somente a partir dela que esse tipo de atendimento remoto propagou mais rapidamente. E como tudo isso envolve o uso de dados, é preciso criar ambientes virtuais seguros.
Startups de telemedicina e segurança da informação
Nesse sentido, quando falamos em ambientes de atendimento remoto de saúde seguros, planos de saúde, laboratórios, clínicas e médicos precisam garantir alguns pré-requisitos. Um deles é a adequação à chamada Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Além disso, veja o que o co-fundador da AtendeDoc destaca:
Quando falamos em ambiente digital seguro, é o mesmo de um consultório. O médico precisa atender remotamente, em um local adequado e ter um prontuário digital. O sigilo previsto na relação médico paciente deve ser garantido. E o paciente tem direto a todas as suas informações. Tudo deve estar criptografado e atendendo a legislação vigente.
Das parcerias privadas ao acesso universal público
Como podemos ver, essa ampla conexão entre startups de saúde é tão complexa quanto o organismo humano. Possui muitos detalhes. E é evidente que parcerias entre negócios consolidados e startups, por meio da inovação aberta, são meios para tornar acessíveis os atendimentos remotos e, também, a consulta de médicos a laudos de saúde.
Eu diria que, pensar em um perfil único de saúde de cada cidadão, onde o paciente pudesse caso desejasse, compartilhar para avaliação algumas de suas observações entre profissionais diferentes poderia ser útil. Visualizando o Sistema Único de Saúde (SUS) isso poderia ser aplicado quando, por exemplo, um cidadão de São Paulo precisa de atendimento emergencial em Fortaleza. Com esse conhecimento prévio, o médico no Ceará poderia fazer recomendações mais precisas, pois já teria conhecimento do tipo sanguíneo, alergias, entre outros fatores que podem ser determinantes no momento de salvar vidas.
Benefícios
Outros benefícios proporcionados por startups como a AtendeDoc é levar medicina de qualidade para o maior número de pessoas em locais remotos, desde que, claro, haja conexão à internet, como explica Cristiano:
Um modelo desses pode entrar no SUS a baixo custo. Existem várias cidades que sequer têm hospital. Quando permitimos um atendimento remoto naquela cidade, colocando médicos 24 horas por dia, você pode fazer uma orientação ao cidadão. Muitas vezes, isso evita o deslocamento que acaba sobrecarregando postos de saúde e hospitais de cidades maiores.
Como já dissemos neste post, é uma questão de inovação aberta, de estabelecer processos para que as empresas descubram seus parceiros potenciais. E precisamos ser otimistas: em 2020, os primeiros atendimentos pelo SUS por atendimentos virtuais começaram em algumas unidades de Saúde da Família. Mas vai chegar o momento em que o SUS precisará abrir edital em busca dessas startups de telemedicina.
Nós da Haze Shift temos a certeza de que os empreendedores brasileiros serão capazes de suprir essa demanda de mercado. E nós, assim como fazemos para empresas, temos a capacidade de ajudar nessa triagem que pode revolucionar o atendimento médico no Brasil.