Ao longo da minha carreira como consultor de inovação, eu sempre achei importante destacar que para construir uma cultura organizacional inovadora, é preciso ter uma estratégia. Nesse sentido, vejo que é hora de trazer para o debate modelos de governança da inovação.
Em primeiro lugar, preciso adiantar que é bem provável que em sua empresa já exista pelo menos uma ou mais formas de gerir a inovação. Além disso, a sinergia entre os diferentes modelos de governança entre negócios, diretorias e áreas das empresas podem aumentar a potência de toda a estratégia de inovação.
Contudo, em diversas empresas já presenciei pessoas com receio de se declararem como inovadoras porque existe uma diretoria ou estruturas formais denominadas com o termo “inovação”. Quero demonstrar abaixo que ter uma área ou diretoria específica é apenas um dos modelos de governança da inovação e faço questão de ressaltar: empresas que possuem um ou mais modelos de governança da inovação têm crescimento de receita duas vezes maior. E não sou eu que estou falando, está comprovado nesta pesquisa da Accenture.
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Anteriormente, aqui neste blog, eu já destaquei o que é e quais são os elementos da governança da inovação. Em um resumo bem pequeno, posso dizer que as organizações devem começar com uma estratégia de desenvolvimento e responder às perguntas: Por que inovar, onde inovar e quanto investir. Todas as áreas da organização devem fazer as mesmas perguntas, pois a inovação é chave para resultados transversais a toda organização. Ainda mais na base operacional e chão de fábrica.
Governança da inovação: alguns modelos existentes
Desde já, se você me permite e quer se aprofundar no tema, eu destaco que sigo muitos dos preceitos do professor de tecnologia e inovação francês Jean-Philippe Deschamps, autor do livro Innovation Governance. Só que o livro pode não ser muito acessível, e por isso quero ser o interlocutor de pelo menos sete modelos de gestão da inovação.
Muitas vezes, grandes empresas chegam a atuar com os sete paralelamente. E isso está longe de ser um problema. Pelo contrário, pode ser uma grande virtude, desde que com orquestração e diálogo entre as áreas. A palavra-chave é colaboração como ponte entre as áreas e negócios no compartilhamento de boas práticas, modelos e recursos para governar a inovação.
Ter essa percepção é essencial para colocar a inovação em pauta em todos os setores da companhia. Por isso, gostaria de frisar que não existe um modelo melhor ou pior. Cada um tem prós e contras, mas o melhor modelo vem a partir da realidade de cada organização, estratégia e do momento em que a companhia, o mercado ou a sociedade está passando.
1. Modelo clássico: gestão pelo board executivo
Neste modelo, a responsabilidade da inovação recai sobre lideranças executivas. Aqui pode existir um comitê multidisciplinar, onde cada membro (executivos e gestores sêniores) contribui com competências específicas. Neste artigo em inglês, Deschamps destaca que companhias como Lego e IBM parecem ter adotado esse modelo, com um rodízio dos membros do grupo gestor de governança da inovação.
Neste caso, os diretores das áreas também podem designar ao board gestores seniores geralmente mais envolvidos em atividades de inovação, que podem ser líderes técnicos ou comerciais ou de negócios.
Segundo Deschamps, os participantes realizam reuniões regulares para compartilhar informações sobre o andamento de projetos específicos e definem responsabilidades às áreas. Em geral, são projetos que dão ênfase ao conteúdo de inovação em produtos e propostas, mais do que em melhorias de processos.
2. Governança da informação centralizada
De acordo com o levantamento de Philippe Deschamps, essa é a segunda mais frequente proposta existente. Entre os modelos de governança da inovação, existe o do “czar da inovação”, em que o CEO é responsável por liderar projetos sobre o tema. Vamos dar um exemplo fácil de imaginar: Steve Jobs, que sempre foi o cabeça da Apple na apresentação de produtos inovadores.
A vantagem aqui é que a mensagem do modelo de governança da inovação fica personificada e clara para o restante da inovação. Com um líder de carne e osso personificando a inovação, os colaboradores sabem o quão prioritária é a inovação naquele local.
Às vezes, dependendo da empresa, o pensamento pode ser que “inovação é importante, mas temos outras prioridades”. E não há nada de errado nisso, já que cada organização tem sua própria estratégia para atingir seus objetivos, e algumas preferem, por exemplo, seguir tendências do mercado.
Mas e quando esses líderes deixam a empresa ou, no caso trágico de Jobs, morrem? No caso da Apple, Tim Cook assumiu o cargo. Mas bem como nem todos os reis tiveram sucessores à altura, nem sempre há um líder pronto para o posto. A solução mais comum é migrar este modelo para o modelo clássico.
3. Comunidade de inovação multidisciplinar
Neste modelo, o interessante é que a empresa designa pessoas de diferentes níveis hierárquicos para compor um comitê de inovação. Também conhecido como Comunidade de Governança da Inovação, esse modelo coloca em pé de igualdade colaboradores de diversos níveis com executivos para discutir projetos inovadores. Essa é a diferença principal com o modelo clássico, em que os representantes são do topo da pirâmide corporativa.
Principalmente, é muito legal ver aqui a presença de líderes jovens inovadores e colaboradores que possuem na veia o empreendedorismo, o que estimula fortemente o intraempreendedorismo nas organizações, que meu colega e sócio Leo Tostes bem definiu neste artigo, como aqueles com a capacidade de gerar negócios dentro de um negócio. O resultado disso é trazer mais fluidez e estímulo à Cultura da inovação, que tem como resultado chegar às 33 rotas da inovação aberta
Além disso, geralmente pessoas altamente conectadas com o mercado estão presentes nesse comitê. Com isso, os participantes podem trazer ideias de fora da empresa, o que incentiva o contato com startups, universidades, entre outros stakeholders, fortalecendo propostas de inovação aberta.
4. Diretores de tecnologia e de reputação na governança da inovação
Pare um pouco e pense: por que não designar a executivos de áreas altamente conectadas à inovação ao posto de responsável pela governança da inovação? Bom, isso acontece com certa frequência. Mais frequentemente, como destaca Deschamps, isso ocorre com a figura do CTO (Chief Technology Officer) em empresas de engenharia, tecnologia ou ciência. Já o Diretor de Reputação (CTR) é designado em alguns tipos de indústria, como por exemplo, o setor químico ou farmacêutico / fármaco.
Se pararmos para pensar isso é natural em determinadas indústrias, e essa agregação de função acaba sendo produtivo, porque são diretores que precisam estar antenados com inovações do mercado de suas empresas. Pessoalmente, eu vejo essa responsabilidade como uma oportunidade, inclusive, para observar ainda mais de perto o nascimento de startups e atraí-las para o fortalecimento da inovação aberta.
5. O famoso CIO com dedicação exclusiva
Veja só que interessante: no estudo de Deschamps, o modelo de governança da inovação com um executivo dedicado full time à função aparece apenas na quinta colocação como mais frequente entre as empresas. Essa figura pode ser conhecida como diretor de inovação, em português, ou como CIO (Chief Innovation Officer), em inglês.
De antemão, podemos dizer que o diretor de inovação é um catalisador dos esforços para promover a agenda de inovação das empresas. E como publicamos recentemente em nosso blog, uma área de inovação dedicada em hospitais, por exemplo, pode ser um motor para salvar vidas (leia neeste artigo do meu sócio Luiz Frederico).
Leia também: Inovação se mede sim! Conheça a Innovation Accounting ou contabilidade da inovação
Geralmente, CIOs se reportam diretamente ao CEO e tem uma equipe de apoio. Eu, pessoalmente, vejo isso como uma grande vantagem, pois potencializa o nascimento de incubadoras e centros de inovação, dando maior amplitude à inovação aberta. Ao ter uma área dedicada à inovação, a mensagem acaba sendo tão forte (ou em alguns casos mais forte) quanto a do czar da inovação.
Por outro lado, eu vejo que é importante trazer o tema da colaboração para trabalhar em rede com as demais áreas da empresa é fundamental também em outros setores. Ademais, é uma área que não precisa (e nem deve) estar dedicada apenas à criação de novos produtos e serviços: ela precisa olhar para os processos da empresa e ajudar as áreas a melhorá-los.
6. Um grupo de campeões da inovação
Ao invés de formar um comitê de executivos ou de pessoas designadas, outro modelo de governança da inovação possível é apostar no que Deschamps chama de campeões da inovação. Quem são essas pessoas?
Frequentemente são líderes e gerentes médios ou seniores que tomam a frente de projetos e acabam se tornando pontos focais da inovação nas áreas da empresa. Eles podem até não fazer parte de um comitê específico, mas geralmente são considerados intraempreendedores. São pessoas que, como eu gosto de dizer, costumam hackear a cultura da empresa.
Leia mais: O que é culture hacking e como hackear a cultura de sua empresa
Os campeões da inovação podem ser pessoas designadas pelo próprio CEO da empresa, ou indicados por altos executivos. E aqui eu dou uma dica para quem está pensando em adotar esse modelo: apostar em colegas que busquem ideias de fora, que tenham bons contatos com concorrentes e com startups e universidades. Não à toa, esses colaboradores podem trazer para a empresa projetos de inovação e parcerias capazes de fazer a organização saltar de nível. E conectar esse modelo ao modelo 3 da Comunidade da Inovação é muito potente. Uma excelente combinação.
Quer um exemplo? Em um caso de mercado, a paranaense Pormade Portas, que tem 700 colaboradores, escreveu 10 mandamentos internos para inovar. E por lá existem grupos de campeões da inovação, entre mais de 30 grupos de melhoria, com colaboradores de todos os níveis, do executivo ao operacional. Os grupos se organizam para propor e executar inovações que podem ser estruturais, de processos, de produtos, por exemplo. Leia mais nesta reportagem.
7. Ninguém no comando da governança da inovação
Com o perdão do trocadilho, mas nesse modelo a descentralização é palavra de ordem. Parece estranho? Mas isso ocorre.
Eu diria que esse modelo tem duas perspectivas para observarmos. O primeiro – bem mais comum – é que não existe qualquer estratégia de inovação ou ela não está permeada na empresa, portanto, não há governança. A outra forma de observar é quando a inovação já faz parte do DNA, e todos já vivenciam isso sem nenhum formato anterior.
Eu me lembro de um exemplo. Em uma instituição financeira que prestei serviços, isso também era frequente. As áreas melhoraram seus processos individualmente, descentralizadamente. De novo: isso é inovação.
Segundo Deschamps, isso se explica quando a organização acredita que a inovação é uma tarefa de todos. Essa liberdade pode ser produtiva – desde que, claro, haja comprometimento dos gestores das áreas por melhorias.
Podemos dizer que algumas gigantes tecnológicas têm o DNA da inovação em suas veias corporativas. Mas não, não são apenas essas empresas. Gerentes e líderes e equipes ativas são essenciais para levar a inovação adiante, e – quem sabe – convencer a empresa a adotar um dos demais modelos de governança da inovação.
Se a inovação ainda não é percebida na sua área ou empresa, ou ainda, se as iniciativas não estão sendo percebidas como valor pelos stakeholders, incluindo sua própria equipe, esse certamente é o momento de buscar ajuda para uma consultoria especializada.
É sempre importante reforçar que não existe um modelo pronto para fazer governança da inovação e que o importante é conhecê-los para a empresa ter algo combinado entre os modelos acima. Nós da Haze Shift podemos ajudar a criar, melhorar e a operar junto com as empresas suas governanças de inovação. Vamos conversar?