A TAIKAI é uma daquelas empresas que passam a ser admiradas por aproveitarem com consistência as oportunidades. Em um momento em que pequenas, médias e grandes corporações sofriam para se adaptar à pandemia, a TAIKAI estava pronta para a conversão digital. E ainda: é uma inspiração de modelo de negócios blockchain em Portugal.
Até 2020, as empresas realizavam a imensa maioria de seus eventos e desafios de inovação presencialmente. Mas a TAIKAI já tinha os olhos para a expansão de desafios e hackathons à distância. E foi além: para auditar resultados, júri, entre outros elementos, buscou a tecnologia blockchain.
À frente do negócio está Mario Alves, co-fundador e CEO da TAIKAI. Ele não entrou no mundo da inovação por acaso: se formou em Economia, mas conta que ficou indeciso entre cursar Engenharia devido à conexão maior com tecnologia, uma paixão antiga.
“Quando terminei o curso de Economia, comecei a trabalhar em um banco, que foi minha primeira experiência. Depois mudei rapidamente para a vertente de consultoria, em uma multinacional, a PWC (PricewaterhouseCoopers)”, lembra Mario. Na PWC, prestou consultorias nas áreas de gestão e tecnologia em Portugal e Angola. “Isso me fez ver que o modelo consultoria permite às empresas acelerar a inovação, mas percebi que faltava algo. Isso me levou a pensar”, afirma.
A partir de então, começou a jornada de Mario Alves com startups. “Comecei a ajudar a levantar capital, ir ao mercado e fazer rodadas de investimento, até que chegou um ponto em que percebi que ajudei uma boa parte do ecossistema e pensei que faria sentido eu próprio desenvolver a minha startup. À altura, isso surgiu como um clique”, diz.
Desafios de inovação no mundo e Blockchain em Portugal
Devido à experiência na consultoria, ele percebeu que faltava uma ponte entre os desafios das grandes empresas e com a comunidade de inovadores, que podem dar outras perspectivas às organizações. “E entrei assim nesse mundo. Foi isso que me levou a criar a TAIKAI”, resume.
Ao Blog da Haze Shift, Mario explica mais sobre o tema, destaca semelhanças o nível de inovação entre Brasil e Europa e explica por que enxerga que o blockchain em Portugal traz uma janela de oportunidade para a criação de um Vale do Silício lusitano. Confira:
Equipe Haze Shift – Mario, a TAIKAI é uma das maiores plataformas de desafios de inovação aberta do mundo. Para começar, pode fazer um breve pich da empresa para que todos entendam?
Mario Aves – A TAIKAI é uma plataforma de inovação e, portanto, nosso objetivo é efetivamente ligar os desafios das empresas a uma comunidade de talentos que possam dar respostas a essas propostas. A forma como nós o fazemos é muito através de hackathons e programas de inovação. Portanto, no fundo, o que nós fazemos é desafiar as empresas a usarem nossa ferramenta. E somos uma ferramenta tecnológica que permite que esses desafios de inovação aconteçam.
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EHS – Vocês fazem uso do blockchain em Portugal para apoiar o controle da ferramenta global, não?
Esse é um bom ponto. Quando começamos a construir a TAIKAI, nós percebemos que havia falta de transparência nos processos de inovação. Não se tinha visibilidade total do que se acontecia nesse tipo de iniciativas. Então, trouxemos o blockchain para a plataforma, no sentido de dar essa visibilidade e essa transparência.
Portanto, o blockchain atua em nosso mecanismo e toda comunidade tem visibilidade de quem votou em que tipo de projeto. Depois, no final do desafio, traz outra parte: a de gamificação e a de rewards dentro da plataforma. Ou seja, como a votação é baseada em tokens, eles se revertem para os próprios participantes. Isso significa que os melhores participantes recebem mais tokens. Isso permite garantir um ranking dentro da plataforma e saber, a qualquer momento, quem são os melhores membros da comunidade. Traz inúmeras vantagens. E estamos só no início. Haverá muito mais aplicabilidades que vamos utilizar com base na tecnologia blockchain já em 2022.
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‘Eu vejo Portugal como o próximo Silicon Valley do Blockchain, o que é muito interessante e é um movimento que já está a acontecer.”
Mario Alves, CEO da TAIKAI
EHS – Vocês tiveram que mudar o modelo de negócios também por conta da pandemia?
Sim. Nosso modelo de negócios passava muito por eventos físicos. As iniciativas de hackathon e programas de inovação tinham um componente muito físico, era muito presencial. À altura, já pensávamos no modelo digital e queríamos que nosso modelo fosse totalmente assim, mas simplesmente não tínhamos encontrado a forma de fazer porque o mercado não pedia isso. O mercado pedia coisas físicas e presenciais.
Nós, portanto, no fundo construímos o nosso produto a pensar no presencial e que, no futuro, poderia converter no digital. Portanto, quando a pandemia chegou, nós tivemos sim que nos adaptar. Tivemos arestas para acertar para o produto ser totalmente digital. Mas pelo menos em nível de mentalidade já estávamos preparados, e encaramos isso como uma oportunidade e não como um mal-estar.
EHS – Quem investiu na TAIKAI e como é o relacionamento com esses stakeholders?
Quando começamos em 2018, conseguimos um investimento de pré-semente (pre seed) através da Bright Pixel, que é um fundo de investimento do grupo Sonae. Só para dar uma referência, esse é provavelmente o maior grupo econômico aqui em Portugal, entre moda, supermercado, comida para cão. É um colosso gigante do varejo em Portugal. Esse foi o primeiro aporte que nós conseguimos, de 350 mil euros, em 2018.
Mais recentemente, em agosto de 2021, conseguimos fechar uma nova rodada de investimento. Neste caso, para captação internacional, a Finlab, que liderou a ronda de investimentos em conjunto com a Bright Pixel, que já fazia parte, e com um novo investidor, um dos maiores de Portugal: a Portugal Ventures. Essa rodada nos vai permitir continuar essa jornada de forma mais acelerada, contratar mais pessoas, termos mais recursos para chegarmos também mais rápido ao mercado e conseguirmos construir essa visão global de utilização da nossa plataforma em várias geografias.
EHS – E como foi o projeto inicial de expansão para outros países, em especial o Brasil?
Nós começamos a empresa em 2018 e lançamos a plataforma em 2019, quando estivemos muito focados no mercado português, também para testar e validar a evolução. Com a pandemia em 2020, por um lado, tudo que estávamos a fazer precisaria ser no formato digital, até porque a pandemia não permitia que acontecesse de outra forma. Depois percebemos também que poderíamos começar a ir atrás de outras oportunidades fora de nossa geografia, no digital. Porque, de repente, não havia barreiras físicas.
Portanto, começamos a explorar oportunidades pontuais aqui na Europa e em outros países. nos Estados Unidos, e no Brasil, que começou a surgir de forma quase natural por vários motivos. É um país que fala a mesma língua e temos uma ligação histórica muito forte. Percebemos que era uma oportunidade muito grande para nós, e a primeira iniciativa acabou por surgir através da Haze Shift, que trouxe a primeira oportunidade para nós trabalharmos no mercado brasileiro. A partir daí, a evolução com o Brasil acabou por evoluir.
Então, neste momento, estamos focados na Europa e Brasil, apesar de que no próximo ano (2022) queremos trabalhar mais a fundo nos Estados Unidos. Porque é um mercado muito grande, e precisamos de um parceiro dedicado a explorar esses mercados.
EHS – Você já percebeu como são os ecossistemas de inovação em Portugal, no Brasil, na Europa… quais são as principais diferenças entre os ecossistemas desses lugares?
Na verdade, eu acho que eles se regem pelas mesmas regras e linhas. Em nível de inovação, nós acabamos por ter, como em todos os lugares e mercados, empresas mais inovadoras e que olham para isso como algo que faz parte da atividade diária. E tem empresas que estão a tentar perceber o que é este tema de inovação e como podem trabalhar.
Nesse sentido, não é diferente daquilo que é no Brasil ou Portugal. Mas há uma escala completamente diferente. Ou seja, por ser um país grande, o Brasil acaba por ter mais empresas a olhar por este tema de inovação. Portanto, no fundo, como em tudo, nosso objetivo primeiro quando entramos no mercado é educá-lo. Nós somos uma plataforma, um novo player que está aqui para ajudar essas empresas. Esse é o primeiro passo. E é isso que nós fizemos em Portugal em 2019 e no Brasil em 2020. E, portanto, em 2021 esse mercado já começou a consolidar.
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A nível de principais diferenças, não vejo grandes. Se tivesse que enumerar países mais inovadores, claramente os Estados Unidos por terem uma filosofia mais liberal e aberta em nível de mercado, que se posiciona como mais inovador na minha opinião. Depois, Europa e Brasil estão no mesmo ponto. Ainda não estão no ponto de maturação e não estão totalmente preparados, mas estão a trabalhar para isso.
Na Europa, claro que alguns países se destacam bastante. Alemanha, Reino Unido e Áustria, por exemplo, são países claramente que se destacam nesse tema da inovação. Bélgica também, mais especificamente Bruxelas (capital) pela questão de lá estarem algumas entidades que fazem parte da União Europeia, da Comissão Europeia. Portanto, alguma inovação também surge daí, mas é um ecossistema muito específico. Se também tivesse que enumerar países mais inovadores da Europa, colocaria Alemanha e Reino Unido em primeiro lugar, e a Áustria também porque tem uma cultura muito parecida à Alemanha.
EHS – Aqui no Brasil alguns hubs de inovação se destacam, como a Distrito, e aceleradoras de bancos como Inovabra, do Bradesco, e Cubo, do Itaú. Qual é a importância de hubs como esses aí em Portugal?
Aquilo que nós estamos a ver em Portugal é que, infelizmente, ainda não temos a dimensão para ter esses hubs de forma tão forte. Temos alguns, sobretudo, em entidades como em Lisboa e no Porto. Mas faltam mais iniciativas, e acho que tudo começa pela educação. Temos aqui universidades a apostar nesse tema para formar pessoas mais para o tema da inovação. Para mim, esse é o primeiro passo para evoluir e construir esse modelo de hubs. Isso é algo que venho a assistir de forma gradual.
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O fator de termos recebido muitos estrangeiros, de várias geografias, dos Estados Unidos e de outros países da Europa, mostra que Portugal cada vez mais se torna interessante para essas pessoas. Isso também ajuda a facilitar, e [faz com que] a dimensão do nosso país não seja uma restrição para que haja mais hubs, e mais iniciativas desse tipo.
Nós, enquanto TAIKAI, participamos de uma aceleradora: a Startup Braga, localizada no Norte do país. À altura, havia Startup Braga e Startup Lisboa, mas agora já começam a existir muito mais iniciativas. Eu diria que daqui a 5 ou 10 anos vamos ter hubs muito mais fortes e qualificados. Se calhar, com mais de 50% de fundadores e de startups e de pessoas de outras nacionalidades que não a portuguesa. É algo que estou a ver acontecer, sobretudo, no tema do blockchain e criptomoedas. O fato de isso não estar sujeito a impostos aqui em Portugal ajuda e atrai muitas pessoas de fora, e também ajuda a construir um ecossistema muito forte nesse sentido.
Eu vejo Portugal como o próximo Silicon Valley do Blockchain, o que é muito interessante e é um movimento que já está a acontecer.
EHS – Nessa questão de universidades como centros de inovação, temos um paralelo muito interessante. Muitos brasileiros sonham em estudar em universidades de Portugal. Como é a questão de incubadoras e aceleradoras dentro desses locais, que podem gerar startups universitárias e fomentar o empreendedorismo?
Na minha ótica, isso tem que ser uma estratégia da universidade. Claro que nem todos querem sair das universidades para serem empreendedores ou criarem startups, mas essa formação tem que existir. E aquilo que tenho visto é que cada vez mais existem programas específicos nesse sentido. Cada vez mais há hackathons nas universidades. E cada vez mais existem incubadoras que trabalham em parceria ou que estão dentro de universidades.
A universidade do Porto tem incubadora que se chama UPTec, que no fundo é o pool tecnológico da Universidade do Porto, e que basicamente tenta apoiar estudantes que querem sair da universidade ou que até já se licenciaram e, por algum motivo, estudaram lá há alguns anos e, portanto, podem utilizar o hub como incubadora do seu projeto. Isto, para mim, é fundamental. Isso dá base, que é educação.
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Também vejo estudantes e associações de estudantes a desenvolver algumas iniciativas. Acho que tem haver um misto de colaboração: entre a própria universidade, como veículo institucional, e a própria comunidade de estudantes que desenvolvem algumas iniciativas, e que acabam por serem mais céleres, e mais rápidos para conseguirem por algumas ideias em prática.
EHS – Vamos pensar no movimento contrário da TAIKAI: uma startup brasileira que quer desembarcar aí em Portugal. Que dicas você daria para esse empreendedor?
Na verdade, é exatamente o mesmo processo que nós fizemos para entrar no Brasil. Ou seja, entrar em um mercado novo nunca é fácil quando não se tem contatos. Então, esses contatos têm que ser criados. Portanto, para mim o maior conselho é mesmo procurar quem são os especialistas de uma determinada área a explorar, para conseguir ter essas portas abertas.
Felizmente, também sendo um país pequeno, nós somos um país bastante acolhedor e, portanto, estamos sempre de portas abertas e a tentar convencer pessoas a virem para cá. O que é ótimo, e facilita nos processos. Então, a minha recomendação é mesmo essa: procurar quem são as pessoas chave, tentar entrar em contato com elas antes de vir pra cá. A partir daí tudo se torna mais fácil para quando chegar aqui, e quando o objetivo for criar uma subsidiaria ou expandir comercialmente para Portugal, é muito mais fácil já tendo os contatos.
EHS – Foi mais ou menos isso que aconteceu no estabelecimento da parceria com a Haze Shift?
Sim, foi assim com a Haze Shift, mas ao contrário. Por um lado, nós sabíamos que queríamos entrar no mercado brasileiro. Por outro, não tínhamos recursos locais nem conhecimento de como atuava o mercado do Brasil. Portanto, para nós, era essencial ter um parceiro nos ajudasse nessa jornada. Então nós conhecemos a Haze Shift e outras consultorias de inovação à altura.
Pela forma de a Haze Shift trabalhar, nós achamos o parceiro ideal porque estava numa fase muito similar a nossa. Nós não estamos ainda a dominar o mercado, mas temos essa ambição, e é por aí que nós queremos caminhar. Portanto, nós sabemos que estamos na mesma posição enquanto empresas, e sabíamos que ambas queriam crescer e que ambas teríamos esse interesse de conquistar esse mercado. Para nós, foi natural.
Depois de muitas conversas com vários contatos e com várias pessoas no Brasil, percebemos que esse era o caminho a seguir, e a Haze Shift vai ser a nossa parceira no Brasil. Tudo isso claramente veio a seguir com todos os negócios que viemos a fazer com outras empresas e porque acabamos por construir um pilar dentro do mercado brasileiro.
EHS – Agora um exercício de visão de futuro. Como você enxerga a TAIKAI daqui a 5 anos na Europa, no Brasil e talvez na América Latina.
Essa é uma ótima pergunta porque dá uma oportunidade de explicar a nossa visão. Nós queremos ser muito mais do que uma plataforma. Nosso objetivo é criar um ecossistema de talentos para ser aproveitado não apenas para inovação, mas para iniciativas de recursos humanos e ou até para o desenvolvimento de um produto específico nas empresas.
Nós queremos ter talentos dentro das portas. Porque tendo talentos e essa comunidade forte, nós depois conseguimos colocar várias ofertas e atividades para que essa comunidade possa se desenvolver. Portanto, no futuro, daqui a 5 anos, nós queremos ser esse ecossistema de talentos global, com talentos de todo o mundo, de todas as geografias. E qualquer empresa, em qualquer parte do mundo, vai saber quem é TAIKAI. Vai querer nos procurar para ou lançar um hackathon ou para procurar um desenvolvedor para sua empresa, para qualquer necessidade que a empresa tenha em nível de talentos.
Cada vez mais, tudo passa pelo remoto. Ou seja, cada vez mais – e eu olho para nossa empresa – nós estamos a contratar pessoas de forma global, e temos essa perspectiva global. E acho que isso é o que vai acontecer. Mais cedo ou mais tarde, não fará diferença se uma empresa está no Brasil ou em outra geografia: ela vai procurar o talento para resolver determinado problema que ela tenha.
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Independentemente de onde esse talento esteja. Portanto, se nós conseguirmos realmente trazer essa visão global, sejam essas empresas brasileiras ou portuguesas ou outras, no futuro todos temos muito a ganhar. Porque isso é que faz a diferença. É isso que realmente muda o mundo e o mindset dessas empresas.