Criada em 2009, no Vale do Silício, em menos de dez anos, a Founder Institute chegou ao posto de maior aceleradora do mundo de startups em estágio inicial. Mas além da localização geográfica, há vários outros motivos para isso. A aposta na expansão global, por exemplo, é uma delas.
A organização está presente em mais de 150 cidades, nos seis continentes e lançou mais de 5 mil companhias, com uma metodologia própria, que valoriza a formação dos fundadores das startups. São negócios que, juntos, conseguiram captar mais de US$ 1 bilhão em investimentos e atualmente tem valor de mercado de cerca de US$ 30 bilhões.
Por aqui, no Brasil, a Founder está presente em 13 cidades. Em São Paulo, por exemplo, o diretor Marcos de Biasi conta que nos últimos quatro anos já acompanhou a graduação de 200 founders, como são chamados os empreendedores que se formam no programa.
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Aliás, Marco De Biasi parece ser a pessoa certa para tocar um programa deste porte na maior cidade brasileira. Ele é italiano e migrou para a América do Sul em 1996, e se estabeleceu em 1997 em São Paulo, como executivo da TIM.
“Depois saí com três, quatro malucos com o sonho de ser investidor anjo. Ainda me lembro quando a gente começou e ligava para empresários e parceiros, muitos já tinham falando com testemunha de Jeová”, brinca.
Foi quando descobriu, na vivência prática, as dificuldades dos investidores no Brasil, como a ausência de ferramentas jurídicas. “Então, em 2014, eu fundei com um sócio uma empresa chamada Latin America Angels Society (LAAS) que tem foco de investir em startups early stage. Ou seja, que saíram de programas de aceleração e que tem o modelo de negócios, o MVP, validado através de um cliente que adotou o modelo por projeto piloto ou que pagou por isso. Para nós era prioritário isso”, afirma.
Nessa jornada, ele se aproximou de programas públicos e privados de aceleração, e foi convidado para ser mentor dos programas da Founder em 2016. Em 2017, foi chamado para ser diretor. “Até agora acompanhei 12 turmas. Em São Paulo, a cada ano temos três turmas”, destaca. Nesta entrevista, ele revela alguns segredos do sucesso de um programa de aceleração com o da Founder. Confira!
Equipe Haze Shift – Marco, você pode observar de perto o crescimento do ecossistema de startups no Brasil. Na sua visão, como administrador e experiência multinacional, como foi esse movimento?
Marco de Biasi – O que mudou esse mundo de startups no Brasil, que aproximou investidores, foi o que aconteceu nas indústrias e empresas. Elas inovavam para dentro: faziam grandes investimentos internos desenvolvendo novas metodologias e processos. Depois de 2015, muitas empresas começaram a procurar inovação para fora, ainda que de forma tímida com o nascimento de gerentes de inovações, que começaram a criar programas corporate venture, e procuraram soluções externamente às empresas. Buscaram empresários externos.
Isso de certa forma acontecia com as incubadoras de universidades tipo o CIETEC, em nível de incubadora com abordagem acadêmica e pesquisa. Mas o que puxou muito foi a necessidade da empresa por algo de pronto e ágil, e isso aproximou o ecossistema de startups com as empresas.
Então, quando falamos em MVP e projetos pilotos, falamos em B2B (Business to Business). Isso fortalece o ecossistema, pois com o investidor vendo que a startup já tem o B2B rodando, ele se convence a investir. É assim que começa assim a cadeia de efeito multiplicador positivo. Porque é assim que a startup, que pode ser maravilhosa, começa a ser testada no mundo das empresas e também problemas do Brasil.
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E ainda que o Brasil já tenha vários unicórnios (startups com valor acima de US$ 1 bilhão), e agora vemos esses bichinhos diminuindo com outros nomes como em zebra e amanhã chega no chiwawa, eu acredito na lógica de que a grande esperança dos investidores não é em faixas de unicórnios. A base que está acontecendo no Brasil são de [startups com valor de] 120 milhões, 90 milhões. Não são bilhões, e isso é muito positivo porque gera efeito multiplicador, e as grandes exists são compras de startups por parte de empresas. São elas que testam o projeto piloto, e são as que podem compra-las.
Isso tudo gerou uma série de situações de fomento e de investimentos. Em paralelo, com os juros que estavam níveis baixíssimos, isso aproximou muitos investidores que antes apostavam em renda fixa. Isso está crescendo de forma independente e caminha em uma evolução que não para. É positivo.
EHS – A Founder funciona como uma aceleradora. Mas qual é a grande diferença da Founder para outras aceleradoras?
MB – A Founder nasceu no Vale do Silício para divulgar ao mundo a postura de como uma startup pode aplicar uma metodologia útil, mas desenvolvida (fortalecida) em cada país. Afinal, quem faz isso acontecer são os mentores locais. No Brasil, ela iniciou em Curitiba em 2014, que é uma cidade interessante porque se apresenta uma cidade de testes.
A Founder tem um programa de aceleração que dura 14 semanas, com sessões semanais. Antes eram presenciais, e agora virtuais por causa da pandemia. O programa tem a seguinte dinâmica: os empresários, em cada sessão, fazem pichs perante os mentores. Os mentores são específicos para cada sessão. Ou seja, a gente começa com orientação, depois temos neste processo entre as outras vision, depois customer development, revenue (monetização), branding. Depois, chega um momento em que as startups são avaliadas por grupos de mentores. Depois disso temos a sessao legal, grow até se chegar na sessão de equity e funding e encerrar com a graduação final.
Então, é todo um processo. As startups são avaliadas antes de entrar por um teste de admissão. A cada semana são avaliadas seja pelo pich – inicialmente por pich de um minuto, depois três minutos. E os mentores dão notas para as startups de 1, 2, 4 e 5, sem a média de três. Isso acontece do ponto de vista da apresentação a cada semana.
Outra avaliação do trabalho é feita através das tarefas a serem executadas todas as semanas. Isso vai de acordo com o nível de startup e nós temos duas trilhas de acompanhamento.
EHS – Na Founder Institute Brasil e mundial vocês têm duas trilhas de conteúdos, certo?
MB – Sim, uma trilha nós chamamos de grow, relativa a uma startup que já tenha o modelo de negócios validado e que precisa fortalecê-lo e ter um investidor no fim do programa. E uma trilha de validação da ideia, que precisa chegar ao projeto piloto. Então, as duas participam juntas.
E é interessante que o teste de admissão não é sobre a startup. Esse teste é sobre a pessoa, o empresário. O teste de ambição é sobre as qualidades do empresário, em quatro áreas. Uma de inteligência racional, uma de análise de números (ou seja, inteligência financeira), uma de capacidade de adaptação em situações de tensão e pressão, e outra de teste psicológico.
A gente vê tudo isso como importante porque o Founder não é somente sobre formações e noções e metodologias. Tem muito a ver com teste de personalidade, ver como as pessoas reagem às avaliações dos mentores. Também se avalia o trabalho em grupo, porque a pessoa precisa se acostumar a trabalhar e a se relacionar com os outros.
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Normalmente, temos uma média de corte de antes do início e quem efetivamente chega na graduação. A média de graduados é de 35% a 45% [por turma]. E então iniciamos uma turma novamente.
Em São Paulo, a turma tem 40 pessoas e termina, geralmente, com 15. Isso acontece porque tem uma avaliação semanal, e a gente escolheu uma metodologia que cada semana tem mentores diferentes para evitar a clássica avaliação pessoal.
Por isso, a cada semana mudamos o mentor para fazer a avaliação do zero. Essa mentoria é um trabalho voluntário em estimulamos que eles sejam disponíveis com toda a startup para apoiar com competência deles, não para preferir uma startup mais que a outra. Inclusive, depois do founder a gente estimula formas de fazer parcerias de advisors com os mentores e pessoas de confiança, mas somente depois da graduação do founder. Nunca antes.
Antes, era tudo presencial. Depois com a pandemia, em 2020, a gente passou a fazer tudo virtual, e começamos a ter abordagem diferente. Começamos a receber startups e mentores de todo Brasil, com mentores também do exterior. Foi bem bacana, apesar da pandemia. Foi interessante ver startups receberem investimentos que antes era impensáveis sem serem conhecidas fisicamente pelos investidores. Foi uma grande quebra de paradigmas.
EHS – E é basicamente essa a metodologia que a Founder segue em todo o mundo?
MB – Na realidade a metodologia do founder é ter uma plataforma, que já é utilizada em 200 cidades em 60 países no mundo. Mas depois quem desenvolve tudo isso são os mentores locais, conforme a realidade local no país. Não há nada que não esteja ligado à cidade ou ao país em que vai acontecer.
É a possibilidade de ter ferramentas de ajuda no início, durante e pós. Inclusive, depois do Founder tem o programa o Founder Lab, em que os graduados podem avançar ainda mais depois da aceleração. Por exemplo, algumas startups vão avançando e precisam de funding (investimento) internacional. Então, elas fazem os mesmos três meses [de programa] em inglês com foco em receber investidores do Vale do Silício. Mas isso não é automático, acontece conforme o grau de desenvolvimento da startup.
É importante reforçar algo que eu sempre falo: o Founder não é uma fábrica de startups e demanda muito do empresário porque acreditamos que no early stage, e as pessoas investem em pessoas. Como eu falei, temos os dois casos: o que a pessoa entra como empresa e temos o caso em que o empresário entra como ideia. Agora, em ambos os casos, quem entra como ideia tem que sair como empresa. Não se gradua quem não abre empresa. Todas as empresas que se graduam são empresas constituídas. Se não tem empresa aberta, não pode receber investidor. Afinal, sem empresa validada não pode receber investimentos.
EHS – Quando falamos no founder (fundador da startup), realmente é só uma pessoa por startup que participa? Se sim, como as startups selecionam o “founder ideal”, quando tem mais de um co-fundador para participar do programa?
MB – Essa é uma boa pergunta. Uma startup até pode participar com vários founders. Existem casos de startups que entram com três ou quatro founders. Isso depende da decisão da startup. Às vezes, elas não querem porque se mandam três ou quatro founder acaba que, na startup, para tudo porque o programa é bastante puxado. Mas isso é possível.
Nesses casos, de qualquer forma, quando eles entram a gente faz questão de dividir em turmas. Aqui os 40 participantes divididos em turmas menores de cinco pessoas. Nas turmas, eles fazem trabalhos semanais. Antes se encontravam fisicamente, e agora se encontram virtualmente para desenvolverem trabalhos juntos. Entre os cinco, também são escolhidos presidentes de turma.
Para nós isso é muito importante porque a gente acredita que isso tem um movimento positivo ao se relacionar com outros empresários que, de repente, não são do seu segmento, e são pessoas que podem ser seus clientes. Afinal, o Founder Institute é um programa geral. Às vezes, vemos a criação de programas só de fintechs, agrotechs. Mas nosso foco não é uma startup específica, nem uma tese de investimento específica: nossa tese é ter startups ligadas ao mundo tecnológico, com mínima base digital, mas não estamos agnósticos escolhendo um setor ou priorizando outro.
Nós acreditamos que isso amplia o contato entre participantes e torna o programa muito rico. Porque isso ajuda com soluções e conteúdos diferentes, e ajuda muitas vezes os empresários a terem novos parceiros lá na frente, colaborando por enxergar a sinergia.
Inclusive, os grupos são revezados três vezes entre os programas para não criar o grupo panelinha, e até porque a turma vai diminuindo no decorrer do programa.
EHS – Você disse que são três turmas de 40 pessoas por ano. Em resumo, como acontece a seleção das startups/empresas?
MB – Sim, aqui em São Paulo nós temos 3 turmas por ano. Neste ano, iniciamos a primeira depois do Carnaval, em março, e acabou em maio. A segunda iniciou no começo de junho e acabou no final agosto. Agora, a atual começou no meio de setembro e acaba no início de dezembro.
As inscrições acontecem três meses antes de as turmas iniciarem. Agora, por exemplo, abrimos para a turma de março de 2022. Em abril de 2022, abrimos inscrições para junho. São mais ou menos dois ou três meses antes de cada turma. Basicamente, é essa a periodicidade.
Funciona dessa forma: tem uma seleção, depois o teste e uma classificação. Assim a gente pode ver um pouquinho. Depois a gente chama a startup e entende como ela está organizada.
EHS – Vocês também têm incentivos bem alinhados à abordagem ESG, não?
MB – Temos também bolsas e incentivos, por exemplo, para empresárias negras, e também trabalhamos muito o lado das mulheres. Buscamos também aumentar a base de mentores com empresárias. Em São Paulo temos agora média de 50% homens e mulheres.
É interessante porque no decorrer do programa as mulheres são as que mostram mais resiliência. Por exemplo, em nosso último programa iniciaram 40 empresários divididos de forma praticamente igual. Sobraram 18, sendo 12 mulheres. Isso é fato, é número. Para nós, é dado estatístico.
Eu acredito na frase de empoderamento econômico do ponto de vista de empresária feminina, e não empoderamento feminino, que acaba sendo algo meio vazio. É o empoderamento econômico da mulher. Tem mulher que pode desenvolver algo automaticamente e podemos dar a condição de ela desenvolver isso brilhantemente. O bonito é ver os resultados.
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Veja também que nosso programa em São Paulo tinha poucas mentoras. E é interessante ver que tinha investidoras anjos que investiam programas de homens. E eu questionava por que elas não investiam em programas de mulher. Elas respondiam “não está madura”, mas eu acho que todo o ecossistema tem que crescer. Todo mundo precisa acreditar, e agora isso ficou bem claro.
Eu repito que gosto de inclusão, não gosto de muros. As vezes se criam muros com programas só para mulheres ou só para empresárias negros. Eu já acho que o programa tem que incluir a todos: mulheres, negros, pessoas com deficiência. Se tiverem barreiras, não vai dar certo. Essa é a nossa postura.
Nossa atenção a temas de ESG e impacto é algo muito forte. Em nossa bandeira do Founder, toda startup que se inscreve tem que indicar o ODS (Objetivo de Desenvolvimento Sustentável) que pretende atuar ou contribuir. Isso a gente pede na inscrição para startups e também para nossos mentores e investidores. Porque precisa ser coerente: não pode ser apenas por parte das startups. A pessoa tem que ter um foco ou carinho para estudar sobre o que está falando. Só assim eu acho que as pessoas vão dar o justo peso.
Muita gente fala que atua e depois não faz, acabando sendo só marketing. A postura atualmente mudou e está concreta, entrando em todas as dinâmicas e precisa evoluir, melhorar. E falar sobre isso contribui com as mudanças.
EHS – O processo de vocês, durante a aceleração, segue ou se inspira em métodos como design thinking e estratégico?
MB – Normalmente no decorrer do programa acontece a evolução da empresa, e ela vai impactar em determinados problemas. Durante o pich, as empresas tem que ter essa postura de falar dela mesmo e ter quatro blocos: falando dele mesmo, da dor que quer resolver, da forma como busca monetizar ou sustentar a empresa e como entende executar. Nesse conjunto entra depois a necessidade de ter um design estratégico.
Veja como esse ensinamento de Marco de Biasi é similar ao design estratégico
Eu sempre falo que quando a gente faz o design estratégico, é importante as indicações dos mentores, que depois querem ser advisors. A gente fala para nossos founders: não confunda mentor com consultor que você contrata. Não considerar recursos humanos de forma equivocada. Ele não é um funcionário.
O advisor ajuda de forma estratégica a escolher o caminho e o potencial de seus funcionários, a ter um direcionamento estratégico e na postura e com clientes. E o design estratégico e o design thinking ajudam muito nisso, a estabelecer essa visão.
Às vezes, temos mentores que buscam mostrar serviço, mas os empresários interpretam isso como, por exemplo, quando tem um mentor financeiro, a possibilidade de fazer uma planilha ou balanço. Não é isso que a gente quer. A gente quer é o lado estratégico. É buscar estratégia e acompanhar. Você só começa a aproveitar o mentor e a ter uma parceria assim.
Eu sempre falo do trabalho brilhante do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) que distingue mentores de advisor e de consultor. Advisor é um conselheiro para te acompanhar de forma estratégica, não é um consultor. Mentor é um trabalho voluntário, e não deve esperar nada em troca, apenas fazer bem feito. Depois, quando acaba o período de mentoria, os founders vão te avaliar, e você pode ser chamado por eles. É bom separar isso. Um lado é o mentor do programa, que tem viés voluntário, e outro do potencial advisor que é depois do programa.
EHS – Agora uma pequena provocação. Por que tanta gente desiste no meio do caminho do programa?
MB – É interessante porque o programa não é nem longo nem curto, mas ele é bem concentrado. São 3 meses e meio, e a maioria das vezes não é a gente que manda as pessoas embora: 99% das pessoas que falam que vão sair é porque percebem que os colegas evoluíram e ela não. Muita gente não vai desenvolver a empresa dos sonhos, mas é importante passar a evolução do empresário e da pessoa.
De repente, tem empresários que entendem que podem ser ótimos executivos. Aconteceram vários casos de founders que saíram e viraram sócios de outras startups. Porque eles entendem que um conselho duro de amigo, mas sério, é melhor que elogios vazios. Então, ele entende. Quando eles veem que depois de 4 ou 5 semanas os colegas pegam notas maiores, porque realmente podem ter uma apresentação/pich melhor, o cara percebe que precisa pivotar.
Tem até gente que brinca um pouquinho, comparando com a Fórmula 1, mas tem pessoas que saem largando do box e chegam primeiro. Tem gente que sai em primeiro [na largada] porque faz um teste super bacana, com notas muito altas, e depois se perde no programa. Isso é um exemplo.
Afinal, não é a seleção que garante tudo. Porque tem o mix de tensão, tem gente que não aguenta o fato de ter de apresentar cada semana com pessoas diferentes, na frente dos outros, na frente de um vídeo, e ainda fazer tarefas. Então, tem quem não aguente mesmo.
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Eu mesmo já brinquei que eu deveria ser psicólogo como diretor da turma. Porque tem gente que me manda áudio no WhatsApp e, às vezes, o problema é a cabeça que não aguenta a pressão. Diga-se de passagem: quando a pessoa começa a empreender, pode ser que a tensão venha tenha só lá na frente. Por isso a gente concentra tudo agora. Isso aqui é uma pequena parte do que o empresário vai encontrar lá fora. E ele precisa se acostumar.
Logicamente que não somos donos da verdade. Nós podemos errar, nossos mentores podem errar. Mas são exemplos. De repente o modelo de negócios pode ser ótimo, mas o cara não aguenta a pressão. Ou o cara aguenta a pressão, mas o negócio não é bom.
De toda forma, todos os founders que saem das turmas depois das turmas podem voltar. Tem gente que saiu e voltou. Tem gente que pensa que está meio cru, entende que precisa desenvolver melhor e, depois voltar. Já teve quem saiu e depois voltou e conseguiu o funding. Então não é um fracasso, e às vezes não é um adeus. Às vezes é um até logo, é muito dinâmico.
Mas, realmente, o maior problema é o lado de tensão e de se acostumar à cobrança de ver os outros colegas crescerem. Quando cheguei no Brasil aqui, por exemplo, minha preocupação não era como os brasileiros me enxergavam. Era escutar como os outros italianos avaliavam meu português aqui no Brasil. Imagina, era uma coisa boba. E o mesmo acontece com os empreendedores: ele se comparam com os colegas que mais evoluíram.
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Por outro lado, a gente vê algo bonito. Você consegue uma relação bacana de colegas, mentores, diretores, parceiros. Tem gente que se dá muito bem e tem gente não suporta porque não aguenta a pressão e prefere sair. É muito psicológico. O cara pode ter tudo e ser brilhante, mas não aguenta e fica nervoso quando a gente diz que ele precisa procurar parceiro, ou co-founder, mesmo que a gente diga para ir com calma e que isso não se encontra em uma semana.
Então, de uma certa forma, a pessoa começa a ver que não tinha percebido algo, desde as coisas básicas, mas concentradas. Não tem mágica em nenhum programa de aceleração. E o diferencial do Founder é a metodologia e a capacidade de juntar vários mentores, além do alcance e abordagem internacional que nós temos.
EHS – Para finalizar, como você enxerga a atuação do Founder Institute em cinco a dez anos aqui no Brasil?
MB – Eu acho que, para nós, é importante crescer e subir a régua. Isto é ter um ecossistema que vem do em torno do Founder. A gente está trabalhando, por exemplo, a presença de empresárias mulheres entre nossos mentores. Temos também investidoras mulheres. Temos a participação de empresárias negras. E isso é muito importante para a inclusão. Esse era um processo que precisava ser feito de forma orgânica e natural, sem forçar.
Agora o grande desafio futuro é conseguir integrar essas novas necessidades da sociedade ligadas ao impacto de ESG já no estágio inicial. No early stage são empresas praticamente sem funding e olham principalmente para como fazer acontecer e crescer. E ao falar que elas precisam começar a abordar objetivos de desenvolvimento sustentável e ESG parece uma meta muito complexa. Então, acho que isso é grande desafio.
Outro trabalho que estamos fazendo é de nos aproximarmos mais para empresas para entendermos juntos as necessidades de grandes temas como ESG. Mas como você consegue, realmente, depois abordar esses temas que, no final das contas, entender que isso não é apenas um poster e uma publicação. Afinal, são temas impactam a realidade de todos cidadãos.
Como italiano, as pessoas sempre me perguntam nesses tempos de crises: “Por que você não volta para a Itália?” Eu respondo que graças a Deus minha irmã mora lá e posso voltar, e com a pandemia foi difícil. Mas para mim é impensável um empresário italiano de sucesso que vai embora do seu país.
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Aqui o triste é ver empresários de sucesso, que ganham dinheiro, loucos para mudarem para os EUA, para a Europa. Isso é triste porque, para mim, você deveria fica e mudar seu país. Não dar as lições e um trocadinho ficando em um paraíso dourado em outro país. Isso para mim é um grande sonho de um italiano aqui, já que sou meio brasileiro. Sonho que o brasileiro tenha orgulho do seu país. Não apenas ganhe e vá embora.
Lógico que tem o glamour do exterior. Conheço a Europa e vou para lá três vezes por ano, mas lá também tem muitos problemas. Não é tudo lindo e maravilhoso. A Europa passou por guerras mundiais e passou algo muito intenso que fortaleceu determinadas raízes. Aqui parece que as pessoas não tem raízes, então, isso fica para mim como um grande desafio: acredite neste país não por causa de políticos. Gente, vocês é que fazem a diferença. E isso para mim é o grande objetivo: criar uma base de empresários. Precisamos acostumá-los que os resultados não são mágicos, e ninguém vira unicórnio sem trabalho sério. Precisamos fazer crescer esse ecossistema.
No Founder estamos tentando exatamente isso buscando subir a régua do ponto de vista dos mentores, e entender que a gente só pode melhorar colocando muita humildade. O bonito do programa de aceleração, depois de ter passado 22 anos em multinacional, é que cada turma tem novidades, ideias novas, trazendo ar fresco para nosso cérebro. Essa é a verdade. E o mundo de nosso ecossistema é muito legal: as pessoas se ajudam e querem realmente colaborar. Isso para mim é muito positivo. As pessoas abrem as portas.