Para iniciarmos nosso papo, um pouquinho de história. O conceito VBHC (Saúde Baseada em Valor, em português) não veio diretamente da área de saúde, mas sim, da Escola de Negócios de Harvard.
Proposto pelos professores Michael E. Porter e Elizabeth O. Teisberg, em 2006, em um momento em que o modelo de saúde americano estava sendo pressionado pelos altos custos e necessidades de melhoria nos serviços prestados. Portanto, esta teoria de como reconstruir o negócio saúde foi baseada na realidade da economia e do sistema de saúde americanos, seus hábitos, comportamentos e cultura.
A ideia era estabelecer novas formas de pagamento entre as partes baseando estes valores na qualidade dos serviços e no sucesso do desfecho clínico, e não somente no custo operacional e demanda. A proposta embutida no VBHC (Value-Based Healthcare, na sigla em inglês) é reordenar o sistema de saúde (hospitais, planos, clínicas, profissionais e pacientes).
O sistema passaria de um modelo de pagamento por volume (fee-for-service) para o pagamento por valor (Value-reimbursement strategies). Assim, os valores/pagamentos dos Cuidados em Saúde Baseados em Valor (em tradução livre) seriam calculados pela taxa de sucesso de tratamentos, diagnósticos, atendimentos e do impacto de cada momento destes na percepção de satisfação do cliente/paciente.
Vamos simplificar a proposta: quanto melhor o serviço, mais ele poderia custar, entendendo que toda a cadeia envolvida elevaria seu desempenho.
Hoje, no Brasil, o modelo predominante é o de pagamento por volume (fee-for-service). Na saúde suplementar que envolve toda rede privada de serviços, paga-se por um mínimo de procedimentos, sejam eles realizados ou não. O setor público segue a mesma lógica. Estes procedimentos vão se acumulando e as demandas asfixiam o sistema com um todo elevando os custos até causar um colapso do sistema.
Ou seja, atualmente estamos nessa fronteira. Então, como podemos ser mais eficientes, reduzir custos e absorver as demandas?
Os dados são a chave
O conceito VBHC tem um pulo-do-gato: os dados em saúde. Para reordenar o sistema, além é claro do critério cultural do país (isso é assunto mais complexo, que precisaria um artigo à parte), os dados do sistema de saúde são fundamentais. Isso porque falamos do histórico médico (consultas, tipos de doenças e suas comorbidades, dados demográficos), procedimentos, exames desnecessários, entre outros motivos.
Em outras palavras, é preciso ter clareza de tudo que transita no sistema. E essa tarefa não é fácil. Um levantamento da Plataforma Valor Saúde Brasil identificou que 53% dos custos assistenciais vêm de falhas nos processos.
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Dados em saúde quando parametrizados permitem estancar a vazão do erro dando ao gestor uma visão clara da operação. Para tanto, indicadores e automação são fundamentais. Aí entra em cena a inovação e tecnologia. Automatizar processos com o uso de IA (inteligência Artificial) e Machine Learning (aprendizado de máquina) pode dar maior eficiência para os serviços trazendo benefícios aos pacientes, profissionais e instituições. Ao final, a experiência do usuário é mais satisfatória e o desfecho mais assertivo.
Vamos ver algumas dessas vantagens?
Benefícios do VBHC
Para os pacientes:
- Entender qual o tipo e estágio da doença;
- Ter clareza sobre medicações ou exames;
- Ter a melhor experiência possível em situações de saúde delicada;
- Utilizar o tratamento mais eficiente e menos invasivo;
- Maior rapidez na liberação do Plano de Saúde;
- Acesso aos equipamentos que, de fato, estejam alinhados às suas necessidades;
- Evitar desconforto por procedimentos que podem afetar a recuperação e causar sequelas.
Para médicos e hospitais:
- Melhor qualidade percebida para o negócio;
- Melhor organização de atendimentos por nível de complexidade;
- Redução de custos com materiais médicos;
- Redução de uso de aparelhos tecnológicos desnecessários ao tratamento;
- Maior foco na ciência e investigação de doenças;
- Remuneração mais justa conforme os indicadores obtidos.
Para as Operadoras de Saúde:
- Acompanhamento das métricas e indicadores de qualidade;
- Acompanhamento dos dados quanto à jornada do paciente;
- Visualização sobre atuais e futuras necessidades dos pacientes;
- Economia com exames e procedimentos invasivos desnecessários;
- Adequação de investimentos conforme particularidades regionais e outras variáveis.
As bases do VBHC
Temos aqui um conceito, uma ferramenta para reorganizar a gestão em saúde. Assim, o passo a passo consiste em seis elementos principais que se relacionam entre si:
1 – Organização em Unidades Práticas de Cuidado (Ipus)
2 – Medir Resultados em Saúde e Custos para todos pacientes
3 – Implementar pagamento por Bundlees para a ciclos de cuidado, ou seja, um sistema de pagamento praticado para a remuneração por serviços de saúde, dentro da filosofia VBHC
4 – Integração do cuidado entre as diversas unidades
5 – Expansão geográfica dos serviços de excelência;
6 – Desenvolvimento de capacidade tecnológica para sustentar a implementação dos demais elementos.
Confira o gráfico do ciclo desses seis elementos (em inglês)
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No Brasil
Por aqui, o conceito VBHC ainda está se disseminando. Como dissemos no início deste artigo, nossa forma de cobrar saúde é por serviço e não por valor (sucesso). Contudo, a discussão a respeito vem ganhando palco, uma vez que nosso modelo está sendo pressionado a ser mais eficiente para a própria sobrevivência.
Estímulo à cultura de inovação, processos e percepção são fundamentais para que este modelo ganhe escala, portanto, é preciso tempo para observarmos resultados efetivos.
Algumas instituições têm se esforçado na busca da melhoria contínua de serviços e processos. Um exemplo recente, que reflete os novos tempos, é a parceria entre o Hospital Albert Einstein e a healthtech Alice para implantação do VBHC em seu modelo de negócio. Essa parceria é uma possível rota de inovação aberta. Veja um depoimento recente do próprio CEO da Health Tech e do presidente do hospital, divulgado na imprensa:
“Esse passo da Alice representa muito mais que uma parceria. Estamos falando aqui de avançar com um modelo efetivo de ‘Value-Based Healthcare’ do país”, comenta André Florence, cofundador e CEO da Alice. “O Einstein está entusiasmado com esta parceria, cujo modelo foi desenhado para melhorar a experiência das pessoas, contribuir para desfechos clínicos melhores e buscar mais eficiência no uso de recursos”, explica Sidney Klajner, presidente do hospital.
Esta colaboração exemplifica a importância da inovação aberta e transformação digital na saúde, permitindo explorar novos (ainda que de 2006) modelos de gestão de negócios buscando eficiência e satisfação do cliente com reflexo direto na saúde financeira do sistema.
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E para dar os primeiros passos, é sempre importante que operadoras, hospitais e atores do mercado de saúde busquem consultorias de inovação como a Haze Shift. Nós, por exemplo, temos a experiência em projetos inovadores, capazes de fazer o machmaking com startups do setor. Recentemente, a Haze Shift desenvolveu um projeto que encontrou soluções para uma operadora de saúde, como mostramos neste link. Esse é apenas um exemplo. As oportunidades são muitas, como, por exemplo, jornadas de ressignificação. Vamos conversar sobre outros casos de mercado e construir juntos um projeto personalizado para exatamente o que sua organização precisa?
Escrito por:
Cristiano Teodoro Russo
Consultor associado na Haze Shift. Professor (inovação em saúde), Co-fundador na AtendeDoc, Presid. da Ass. Bras. de Startups de Saúde, Especialista em tecnologia e inovação na saúde. Apresentador do Programa MOVE sobre inovação e startups na TV Tarobá/Band PR.
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