É algo comum entre as empresas. A cada dois ou três anos as organizações definem um planejamento estratégico bianual ou trianual, com revisões periódicas. A abordagem geralmente é definida pelo comitê executivo, mas existe uma outra alternativa que vem mostrado bons resultados: a cocriação do plano estratégico com vários stakeholders internos e externos.  

Um exemplo recente de empresa que seguiu por este novo caminho foi a Volvo. Em 2021, a área de Customer Service na América Latina (Volvo Service Market Logistics South America) inovou no estabelecimento de metas. Com o apoio da Haze Shift consultoria de inovação, a área desenvolveu um projeto envolvendo toda a cadeia produtiva. 

Um dos líderes do projeto, o gerente de Customer Service da Volvo SML SA José Bittencourt conta que esta é uma tendência global.  No caso da Volvo, a aposta uniu design thinking com uma metodologia chamada Hoshin Kanri (leia mais na entrevista). 

Leia mais sobre a Co-criação do Planejamento Estratégico da Volvo com Stakeholders

“Entrevistamos quase 500 pessoas perguntando quais motivos seriam os grandes fatores que motivariam a atender melhor o cliente, quais gaps  elas imaginavam. Fizemos um compilado de tudo isso com ferramentas do mundo do design [estratégico]”, revela. 

Conversamos com Bittencourt que detalhou sobre a importância desse tipo de cocriação do plano estratégico em um painel no evento Via Soft Connect e em entrevista exclusiva para o Blog da Haze Shift. Confira abaixo.  

HS – A cada quatro anos, a Volvo realiza uma revisão de seu planejamento estratégico. Qual foi a diferença desta vez aqui na América Latina e por que escolheram fazer um trabalho de cocriação do plano junto com stakeholders? 

José Bittencourt – Envolvemos todos os stakeholders porque eles eram informados da estratégia, e durante os anos eles acabavam tendo um entendimento diferente. Então, tínhamos que mudar a estratégia ao longo do ano. Com isso, não nascia um objetivo em comum. Já ao usar design thinking tratamos eles como criadores da estratégia junto conosco.

Isso me lembra, inclusive, de um evento da Haze Shift em que eu falei que ninguém tem filho feio. Ninguém escuta um pai ou mãe falar que tem filho feio, todo mundo tem filho bonito. Então, a partir do momento em que criamos isso junto com as pessoas esse filho se chama projeto, e todo mundo faz de tudo para que esse filho dê certo. Isso gera um outro tipo de engajamento, um outro tipo de aceitação, e evita a correção de rota ao longo do tempo. Afinal, o combinado não custa caro e foi isso que nós fomos buscar. 

HS – Quais stakeholders fizeram parte do processo? Imagino que tenha acontecido alguma seleção analítica. 

JB – Sim, nós formamos grupos. Para entender o contexto, eu sou responsável pela área de Atenção ao Cliente, que a Volvo chama de Customer Service. O primeiro cliente da cadeia são os grupos concessionários, que vendem a marca Volvo.

Acontece que, olhando para a cadeia logística, nós entendemos que começamos como fornecedores dessas peças, mas nós temos os gerentes das marcas – porque a Volvo é uma empresa multibranding -, temos também os gerentes concessionários – ou seja, os donos das concessionárias –, e ainda as equipes tático-operacionais desses ambientes. Então, existe toda uma equipe de técnicos, de concessionários, técnicos de operadores e linhas da fábrica, técnicos do centro de distribuição de peças, os gerentes comerciais das áreas, os próprios analistas de logística, e alguns clientes finais. Ou seja, [stakeholders de] toda cadeia de ponta a ponta do serviço. 

HS – Esse tipo de abordagem de cocriação do plano estratégico e de produtos e serviços acaba sendo mais humanizada, não? 

JB – Isso traz empatia pela situação. Contato gera contexto. Não adianta eu tentar vender algo para você se você não tem necessidade daquele produto, mesmo tendo o melhor produto do mundo, pois não adianta vender algo que não faça sentido para o comprador. Não adianta vender automatização de jardim para quem mora em apartamento porque isso não vai funcionar. E muitas vezes o mercado trabalha assim. 

Então, quando eu fui buscar meu background na área de sistemas da informação, tecnologia e transformação digital, por muitos anos eu vi pessoas criando ferramentas fantásticas sendo vendidas no contexto errado. Depois que eu fui buscar um MBA na área de empreendedorismo tecnológico para poder entender onde aplicar essas soluções maravilhosas, eu entendi que era mais importante ouvir o cliente antes e criar alguma coisa com ele depois. Assim eu não fico preso ao produto e posso escutar o cliente antes, durante e após a venda incrementando essa venda cada vez mais e criando mais contexto, aumentando minha capacidade de vendas e ajustes, sendo cada vez mais relevante.

Essa é a grande diferença de quando você cocria. Você passa a atender uma necessidade, e não tentar fazer a venda de um produto que é estanque, que não evolui e que com o tempo com certeza vai se tornar defasado. Por isso, acho que escuta é a palavra-chave.   

HS – Como é feito, geralmente, o planejamento estratégico das grandes empresas?  Atualmente, elas estão priorizando esse tipo de abordagem de cocriação com stakeholders ou ainda não? 

JB – Eu vejo isso muito no mercado lá fora. Eu gosto de fazer uma referência com o filme De Volta para o Futuro porque em muita coisa nós continuamos coisas atrás nos conceitos de evolução e o quanto estamos alinhados ao mercado global. 

Mesmo em outras companhias eu sempre busquei o mundo lá fora, primeiro Estados Unidos e depois Europa, e então fazia o De Volta para o Futuro quando retornava ao Brasil e tentando trazer algumas provocações. 

Eu lembro quando trabalhava em uma empresa da área de serviços. Em 2004 explodiu algo no Brasil que a gente tinha estudado em 1999. Então estávamos preparados. Nós saímos na frente. 

Agora esta possibilidade de fazer essas relações constantes de cocriação é algo que já acontece muito lá fora, mas aqui vem começando aos poucos a ser utilizado. 

Por exemplo, a área logística pensa muito nos KPIs logísticos, no modelo de fabricação, em quem está trabalhando na indústria. A área de TI pensa nos framework de TI. Contudo, a abordagem de pessoas serve para qualquer disciplina. Então, associar isso é algo que se faz muito lá fora.

É a mesma história que tem se falado em colocar o X de Experience na frente das coisas. Isso vem de uma relação humana, de escuta. Experiência é estar escutando alguém que utilizou algum produto ou serviço. Lá fora isso já se faz há muitos anos. 

Na minha visão do que tenho estudado, sempre estamos [no Brasil] uns 5 ou 6 anos atrás da curva de aprendizado que vem de lá de fora. Mesmo em multinacionais muita coisa demora até porque tem o ajuste cultural. Em empresas locais eu vejo pouca cocriação. Então, essa é uma grande oportunidade, assim como as pessoas que traduzem TII para o negócio. 

HS – Existem metodologias como a Hoshin Kanri para alinhar objetivos e estratégias. Mas em linhas gerais o que é preciso, ou seja, quais são os primeiros passos para estabelecer objetivos específicos e mensuráveis em um planejamento estratégico humanizado, ou seja, a partir da cocriação?  

JB – Primeira coisa: isso é uma eterna catequese. É uma jornada com muita repetição. Isso significa criar acordos desde o começo. Isso quer dizer convidar todos para fazer uma reunião para dizer que vamos fazer algo juntos desde o começo. Fazer um planejamento estratégico diferente de todos os anos. 

Precisávamos vender todas as vantagens desde o começo. Isso já torna as coisas mais táteis para as pessoas, criando um pequeno grupo de patrocinadores internos que entendam essa mudança como uma necessidade e que ajudem a desdobrar essa catequese, até o ponto em que vamos transformando isso em ações. 

Então, o Hoshin Kanri, por exemplo, é usado em 7 níveis o desdobramento da estratégia. Mas às vezes ele começa e para no meio o desdobramento. Você precisa transformar isso num ciclo. Por isso, o design thinking foi muito importante para nós porque fizemos reuniões constantes de governança, acompanhamento e apresentação de indicadores que passaram a ser para todas áreas, e não apenas de Gestão. 

Leia também: Divisão SML da Volvo e o uso do Hoshin Kanri para co-criação de seus objetivos estratégicos

Essa abordagem que foi pré-construída para depois, sim, estabelecer a metodologia. Porque se eu chegasse e falasse simplesmente que iriamos trabalhar com Hoshin Kanri  e com design thinking, íamos ficar um tempão dando aula sobre isso, sem trazer para a ação. 

Então, é muito melhor transformar as ações específicas, dividir entre as pessoas e atribuir responsabilidades. Depois, no final, comentar: “Gente, sabe tudo isso que vocês fizeram? O nome disso é hoshin kanri. Toda essa orquestração e divisão de tarefas e consultas, isso é design thinking”. 

Isso significa que as pessoas precisam sair do livro da metodologia e realmente traduzir para uma aplicação. Então, quem mais estuda e é o famoso especialista tem que começar a ser um pouco de tradutor para desdobrar isso naturalmente na organização. Porque senão a metodologia mata e sufoca. 

HS – Como conseguir validar opiniões de muitas pessoas em um projeto estratégico e conseguir êxito?

JB – Nós entendemos que não existe opinião inválida. Todas as opiniões vão dar um traço de indício. Em um exemplo grosseiro, se eu tenho cinco pessoas e uma não concorda, eu não acredito naquele modelo. Não podemos ignorar a insatisfação de uma pessoa porque na média está tudo bem. 

Fazemos uma segunda rodada e vai na discrepância. Se uma única pessoa não concorda perguntamos, abertamente, de uma forma bem natural, quais são os pontos que a fazem acreditar que aquele não é o caminho. E quando essa pessoa abre mais, nós voltamos para as demais. Nós realmente acreditamos no poder da divergência positiva. 

A questão não é fazer todo mundo concordando com a mesma coisa. É chegar no meio do caminho. Assim vamos entender pontos ou riscos. Isso faz parte da metodologia. 

HS – Qual a importância de consultorias de inovação como a Haze Shifit neste processo de cocriação do planejamento estratégico? 

JB – Primeiro, temos alguém vivendo deste tema. Porque, independente do tamanho de uma empresa, sabemos que uma operação costuma nos absorver, já que todo mundo tem suas próprias urgências. Às vezes, mesmo se você colocar um gerente de projeto interno para cuidar disso, vai ser absorvido por aquele negócio. 

Já quando você coloca na consultoria, mesmo que temporariamente , essa agenda passa a ter uma cadência específica. Afinal, o grande objetivo daquela empresa é fazer aquilo dar certo. Isso dá tração ao projeto, que tem cadência. A melhoria não é consumida pelo dia a dia porque tem alguém específico. Nenhum departamento hoje tem condições de estabelecer um departamento só para cuidar de melhorias. Vira um departamento de luxo. Então, é preciso fazer o contrário. 

Não estou falando aqui de melhoria contínua, estou falando aqui da melhoria de processos. Ninguém para de trabalhar no seu processo, mesmo que ele tenha desperdício, porque está congelando a área para poder melhorá-la. Então, precisamos de um pulmão extra para respirar aquilo todo dia. 

HS – Uma vez implementado o plano estratégico, como mensurar se essa inovação foi realmente eficaz? Em outras palavras, como medir a inovação após o plano estratégico começar a ser colocado em prática? 

JB – No nosso caso, como usamos a abordagem do design thinking com o Hoshin Kanri, essa metodologia é mensalmente acompanhada geralmente indicadores de progresso, ficando linkados nossos fundamentos estratégicos de como avançar com pessoas, com tecnologia, com conexão end-to-end, com sustentabilidade, com clientes. Desses pontos saem 10 ou 15 ações que, durante o ano, precisam ser cumpridos. Sejam projetos ou pequenos estudos. Tudo isso é acompanhado mês a mês em  governanças estabelecidas.

Isso não quer dizer que não podem haver mudanças de rumo e priorização, porque é uma questão de qualidade, custo e prazo. Mas isso é muito controlado. Se não tivéssemos usado este modelo do design thinking, o próprio propósito seria mudado. Assim tudo que é factível já é distribuído desde o começo. É por isso que conseguimos medir. 

HS – Você mesmo disse que muitas vezes pode ser preciso alguma mudança de rota, mesmo com a cocriação. Caso isso seja necessário, como fazer isso?    

JB – A cada três meses fazemos uma revisão do andamento do progresso e, se algo não está andando, entramos com uma questão do porquê não está andando, e faz o ajuste final de rotas. Se for necessário, rodamos mais um ciclo de cocriação para ver se é necessário um ajuste de rota entre todos, ou se foi realmente uma questão de falta de tração em que é preciso recuperar esse tempo o mais rápido possível e aí coloca uma prioridade, em paralelo à operação do dia a dia. 

Essa roda sempre vai se repetir. Se nós criamos juntos e não está funcionando, precisamos entender juntos o porquê não está funcionando, buscar uma análise juntos e reprogramar e criar um novo compromisso juntos. O importante é não cancelar a pauta. 

HS – Qual a mensagem final da cocriação para quem quer inovar para pessoas e com pessoas estrategicamente? 

JB – Uma analogia que eu sempre faço: falamos por muito de tempo de integração entre áreas e usamos quebra-cabeças para representar isso ao longo dos anos. Eu trago de novo a figura do quebra cabeça, e recentemente usei isso em uma apresentação, onde eu digo que todo mundo tem um quebra-cabeças para montar. Porque o quebra-cabeças só faz sentido quando tiro ele da caixa. 

A hora que você tira da caixa e coloca os problemas na mesa, ao espalhar as peças e estuda individualmente essas peças, você vê que elas só fazem sentido juntas. Você vai buscando similaridades e vai montando o cenário. E trabalhar em projetos e resolver problemas é a mesma coisa: você só descobre ao trabalhar com as peças. E quando passa um tempo você começa a ficar esperto. Ao conhecer as peças, fazer a integração e não forçar quando não encaixa. Assim a paisagem vai se formando e a coisa vai clareando. E quanto mais gente ajudar a montar, mais rápido o quebra-cabeças vai ficar pronto.

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