Em nossa sociedade e economia atual, diversos recursos naturais são utilizados na indústria, mas geralmente são descartados após a criação dos produtos. Isso é o que chamamos de economia linear. Ela é seguida desde a Revolução Industrial, em diversos mercados e segmentos diferentes. Mas e o que é economia circular? 

Em primeiro lugar, é preciso entender que o modelo linear é insustentável devido a quantidade limitada de recursos naturais. Porém, existem alternativas para repensarmos os meios habituais de produção e consumo. Elas são mais condizentes com o mundo atual e mais sustentáveis. 

A economia circular trata justamente disso. 

Essa economia terá, em um futuro próximo, um impacto positivo significativo na maneira como as empresas – e os colaboradores – pensam e lidam com o trabalho. Mas exatamente como isso irá acontecer e por que as empresas deveriam se preocupar com isso?

Antes de tudo, o que é Economia Circular?

Claro, o nome já nos conta um pouco sobre o que é. Mas a definição trás um conceito estratégico em que os resíduos são insumos para a produção de novos produtos. Na teoria é simples, certo?

Então, ao longo deste artigo você vai entender um pouco mais da amplitude e desafios disso. Contudo, basicamente esse modelo propõe uma mudança nas cadeias de produção e busca conciliar o crescimento econômico, a sustentabilidade e o bem-estar da sociedade. 

De modo geral, o conceito de economia circular envolve uma transformação na extração dos recursos,como na forma com que os resíduos são reaproveitados e nas lógicas de consumo de forma geral.

O interessante disso é que a economia circular reconhece a importância de ter a economia sempre girando. E uma economia saudável considera o interesse de negócios e de indivíduos, das pequenas a grandes empresas, mas principalmente, faz tudo isso visando uma gestão consciente dos recursos naturais. 

Falando assim, parece que a economia circular se trata de reciclagem e reutilizar recursos, certo? Sim, são ideias conectadas, mas não é a mesma coisa. A expressão economia circular aparece no trabalho de alguns economistas de recursos que remontam pelo menos aos anos 80. Seu uso nos últimos anos veio conotar uma abordagem que é mais sistêmica e ambiciosa do que a reciclagem. 

Leia mais sobre o tema e sua conexão com sustentabilidade e inovação 

Por exemplo, para manter a qualidade, os fabricantes de garrafas de plástico precisam misturar plástico reciclado com material virgem. Em vez disso, uma economia verdadeiramente circular não envolveria novos insumos materiais, reduzindo emissões, desperdício e, eventualmente, custos. O ponto é que tornar um ciclo de produção totalmente auto-suficiente é virtualmente impossível. Alguma entrada nova será sempre necessária, e algum desperdício será sempre criado.

Além disso, a construção de uma economia circular pode acarretar altos custos iniciais, exigindo investimento para redesenhar produtos e mudar para materiais reciclados. De acordo com um artigo de 2019 da Green Building Council (GBC), o Reino Unido estima que o custo de mudar para uma economia circular seja de cerca de 3% de seu PIB, segundo a Green Building Council Brasil em 2019. Esse investimento pode alimentar a preocupação de que as empresas optem por soluções rápidas, em vez de práticas sustentáveis ​​de longo prazo.

Então, o que é viável com a economia circular?

Uma cadeia de suprimentos mais circular. Isso pode significar a mudança para materiais reciclados, estendendo o ciclo de vida de um produto e melhorando a recuperação no final de sua vida útil. A TerraCycle Inc., sediada em New Jersey, lançou a iniciativa Loop, uma colaboração com grandes nomes, como a Nestlé, para fornecer produtos comuns – sorvete, por exemplo – em embalagens que podem ser devolvidas e recarregadas. 

Outra iniciativa recente é da Prefeitura do Rio de Janeiro, que anunciou em novembro de 2022, em evento com a União Europeia, a criação do Comitê Plástico Circular Rio onde apresentaram um conjunto de soluções sustentáveis para a cadeia circular do plástico, com algumas propostas que já poderão ter desdobramentos para 2023.

Uma iniciativa das Lojas Renner em parceria com a Abrapa (Associação Brasileira dos Produtos de Algodão), lançou as primeiras peças do país em jeans 100% rastreadas por blockchain

A coleção é fruto de uma parceria entre a varejista e o programa SouABR, idealizado pela Abrapa e que rastreia o algodão brasileiro responsável com certificação socioambiental, dando ao consumidor mais transparência e confiança sobre a origem da matéria-prima da sua roupa. 

Mas uma outra iniciativa das Lojas Renner, que sugere ainda mais a aplicação da economia circular, foi uma ação sustentável que começou pequena na Renner, com diálogo com fornecedores e clientes, pesquisa e desenvolvimento: uma linha de roupas feitas a partir de materiais e processos de baixo impacto, batizada de Re – Moda Responsável, lançada em 2018.

Em 2021, 95% dos jeans da marca já são feitos dessa maneira, com algodão de cultivo responsável, materiais reciclados (sobras de tecido, fios que podem ser feitos a partir de garrafas PET, fibra de bambu) e tingimento natural, que gera menos resíduos.

A empresa também desenvolveu uma metodologia própria para medir o consumo de água nas etapas de lavanderia e acabamento das peças de Re Jeans, e o resultado foi um corte de 44% na chamada “pegada hídrica”. O processo foi expandido para outros materiais e coleções, como a Re Malha, lançada em 2019, que segue os mesmos princípios gerais.

Nesse exemplo da linha de roupas Re – Moda Responsável, conseguimos ver claramente, por exemplo, a inovação aberta através da colaboração entre diferentes stakeholders da Renner.

Esses são ótimos exemplos que mostram como a Economia Circular representa uma mudança sistêmica que constrói resiliência em longo-prazo, e gera oportunidades econômicas e de negócios, e proporciona benefícios ambientais e sociais.

Parece um conceito distante e não relacionado a algo que você conheça. Mas, de acordo com a Confederação Nacional da Indústria em estudo de 2019, 76% das empresas adotam iniciativas de economia circular, mesmo que 70% delas não tenham conhecimento do que isso significa.

E na prática, quais são as etapas da economia circular?

A imagem abaixo retrata um pouco dessa circularidade:

fonte: https://petesa.eng.ufba.br/blog/voce-sabe-o-que-e-economia-circular

Nesse sentido, essas são etapas da economia circular:

  • A extração inteligente de insumos, a fabricação da matéria-prima e o design do produto. Nessa fase, todas as decisões já são tomadas levando em consideração o resto da cadeia produtiva.
  • Os bens vão ao comércio e são consumidos pelas pessoas. Aqui, a empresa já deve ter em mente como será o processo de remanufatura e reutilização daquilo que for descartado. 
  • Destinação, coleta e reciclagem. É quando o foco se concentra no descarte adequado do resíduo e o ciclo se reinicia. Nesta última etapa pode haver, por exemplo, a colaboração de outros stakeholders da cadeia produtiva para colaborar no reuso dos materiais. 

Em teoria as fases da economia circular parecem simples. Mas lembra que falamos antes que íamos falar dos desafios? Existem outras etapas de implementação da economia circular que estão por trás da circularidade na prática:

  • Educação ambiental: empresas e consumidores precisam estar a par dos princípios da economia circular para participarem do modelo de forma efetiva. Essa educação está bem atrelada ao consumo consciente das pessoas e organizações.
  • Criação de processos sustentáveis: o ciclo de um produto é feito de etapas menores. Cada uma delas deve ter um design sustentável, como por exemplo a extração, a logística, o marketing, a coleta dos insumos, etc.
  • Continuidade do modelo: a economia circular é um sistema pensado para funcionar em longo prazo e, para funcionar, deve se apoiar em premissas mais básicas, como a coleta seletiva, por exemplo.

Sabe aquela ideia de que não se tem estratégia sem cultura em uma empresa? Então, essa economia só irá prosperar com uma mentalidade sustentável por parte das organizações.

Mas o que isso significa e quais seus efeitos práticos?

De acordo com a fundação Ellen Macarthur, o modelo circular se baseia em três princípios:

  • Preservar e aprimorar o capital natural controlando estoques finitos e equilibrando os fluxos de recursos renováveis;
  • Otimizar o rendimento de recursos fazendo circular produtos, componentes e materiais em uso no mais alto nível de utilidade o tempo todo, tanto no ciclo técnico, quanto no biológico;
  • Estimular a efetividade do sistema revelando e excluindo as externalidades negativas desde o princípio.

Veja abaixo o infográfico com mais detalhes sobre esses princípios:

fonte: Fundação Ellen Macarthur

Ciclos técnicos e biológicos na economia circular

Já visando uma forma de consumo consciente e eficiente, a economia circular efetua uma distinção entre ciclos técnicos e biológicos de forma proveitosa. 

Focado apenas no consumo, os ciclos biológicos, no qual alimentos e outros materiais de origem biológica, são planejados para retornar a natureza por meio do processo de decomposição, de forma que a sua reinserção na natureza seja benéfica, proporcionando recursos renováveis para a economia.

Nos ciclos técnicos o produto é desenvolvido através de estratégias na qual o mesmo possa ser reinserido na cadeia de produção (tais como: reuso, reparo, remanufatura e reciclagem), tendo como resultado a possibilidade de recuperação e restauração dos produtos, de seus materiais e componentes.

fonte: Fundação Ellen Macarthur

E para que isso tudo possa acontecer, é preciso ter diretrizes. Afinal, a economia circular vai muito além das noções de Reduzir, Reciclar e Reutilizar.

São poucos preceitos, mas que trazem vantagens quantitativas e qualitativas para todos os envolvidos na circularidade. 

Na prática os materiais otimizados para o ciclo biológico são biodegradáveis ou obtidos a partir de matéria vegetal, e retornam seu valor como nutrientes biológicos para o solo. Os materiais otimizados para o ciclo técnico também são considerados nutrientes – nutrientes técnicos – e utilizados de modo que circulam em ciclos industriais fechados – principalmente aqueles que não são produzidos de forma contínua pela biosfera (não-renováveis).

A partir dessa lógica, dois tipos de produtos são diferenciados: os produtos de consumo e os produtos de serviço. Os de consumo, como produtos de limpeza, shampoos e embalagens, são feitos com nutrientes biológicos, que por sua natureza podem ser descartados (diretamente ou passando por diversos usos consecutivos), de forma a enriquecer a biosfera ao invés de contaminá-la.

Já os produtos de serviço como carros, máquinas de lavar, lâmpadas e televisores geralmente são feitos com nutrientes técnicos, e desenhados desde o início para o reuso. São considerados produtos de serviço pois seu valor para o usuário não está no produto em si, mas no serviço que ele proporciona – respectivamente nos exemplos acima: transporte, roupas limpas, luz e entretenimento.

Em resumo: o coletivo de empresas, cidades e demais stakeholders que aplicam o sistema de circularidade que observamos acima, formarão o que a gente entende como sistema economia circular.

Como aplicar a circularidade em seus processos e negócios?

Para aplicar a economia circular em seu negócio, independentemente do seu porte, é preciso levar em conta algumas questões. Ao avaliar todos os processos da produção, da obtenção de recursos ao descarte, é possível encontrar alternativas mais sustentáveis e que façam a diferença – inclusive novas oportunidades de negócio.

E para além disso, pense: o que pode mudar? Como gerar impactos mais positivos para o meio ambiente? Dentro do seu negócio, reveja por exemplo:

  • A captação de recursos naturais: como depender menos (ou regenerar) as fontes naturais?
  • O uso de matéria-prima: como escolher as melhores matérias-primas?
  • A manufatura: como conceber e produzir com maior ecoeficiência?
  • O processo de distribuição: como distribuir com menos impacto?
  • Uso e consumo: como prolongar o uso?
  • A reciclagem (reúso, reparo, redistribuição e remanufatura): como reinserir o produto no ciclo?

E, como citamos anteriormente, precisamos cultivar uma cultura organizacional que direcione a empresa para processos mais inovadores e sustentáveis, que possam sustentar todas essas mudanças.

Um exemplo claro disso é a indústria de cosméticos, que é a que mais produz plástico atualmente. A Natura, foi a primeira marca de cosméticos do Brasil a adotar os refis em seus produtos, ainda em 1983. As iniciativas para as cadeias de reciclagem, como o Programa Natura Elos, configuram a responsabilidade compartilhada com os fornecedores de embalagens, cooperativas, recicladores e fabricantes, e que, desde 2017, a empresa colabora para garantir a rastreabilidade, a homologação e a logística reversa em todos os seus fornecedores de materiais reciclados. É claramente uma mudança na lógica do negócio e na cultura da organização.

Como exemplo de circularidade, as embalagens de Kaiak, em que os chamados “ombros” das fragrâncias, maior peça plástica das embalagens, são feitas de plástico reciclado retirado do litoral brasileiro. Além disso, os frascos também são produzidos com até 30% de vidro reciclado e utilizam álcool 100% orgânico, assim como todas as fragrâncias da Natura.

A Economia do futuro

Por fim, para convencer ainda mais que a economia circular é uma das promessas mais estratégicas para a sua empresa – para determinados bens de consumo (alimentos, bebidas, têxteis e embalagens) -, é estimado o potencial global de US$ 700 bilhões por ano em economia de recursos, equivalente a 20% dos custos de insumos nesses setores, segundo pesquisa feita pela Ellen MacArthur Foundation, a SUN Institute e a McKinsey.

Na China, por exemplo, a promoção da economia circular vem sendo incorporada nos planos governamentais há ainda mais tempo, desde o início dos anos 2000. Em 2009, o governo chinês deu novos avanços a partir da Lei de Promoção da Economia Circular, baseada no uso eficiente dos recursos a partir de incentivos fiscais, apoio financeiro e regulações.

Aqui no Brasil, indicadores como o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), criado para nortear fundos de investimentos da B3, tem buscado identificar empresas alinhadas às práticas de sustentabilidade. 

Esse tipo de indicador destaca as empresas mais sustentáveis do mercado, favorecendo e atraindo investimentos em seus modelos de negócio. Além disso, esse destaque facilita a busca por crédito em instituições financeiras, uma vez que estas perceberam a importância e segurança na contribuição com o meio ambiente. Podemos observar essa movimentação através da agenda de sustentabilidade ambiental do Banco Central

E claro, não para por aí. O tema Economia Circular tem aparecido em escala global e está relacionado à sustentabilidade do desenvolvimento econômico e social. Os consumidores e as organizações já perceberam que adotar esse sistema não é mais uma questão de possibilidade, mas sim de necessidade.

Esse é um tema muito amplo, com muitas outras interfaces que podem ser exploradas na sua empresa. Muitas vezes, o que pode estar falando para sua empresa colocar a economia circular em prática são projetos direcionados. Nesse sentido, existem práticas de inovação aberta e de design estratégico capazes de estruturar uma trilha para reorganizar o planejamento estratégico.

Nós da Haze Shift estamos sempre prontos para compartilhar e ajudar em todos esses processos e mudanças! Então, é hora de dar aquele pontapé inicial na economia circular com muita inovação na sua empresa. Vamos Conversar!

Escrito por:

Maria Clara Risental Raicoski
Maria Clara Rizental Raicoski
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Atua na na Haze Shift na área de projetos e novos negócicos. Consultora de Gestão Ágil no Instituto Talanoa, de políticas públicas para o clima. Voluntária no UNICEF, Fundo das Nações Unidas pela infância e adolescência. Com experiência com educação empreendedora e políticas públicas para a juventude.