Começo esse texto com duas perguntas: uma óbvia e uma complexa. Vamos lá: quanto é 1+1? Tenho certeza que você respondeu automaticamente. Agora, quanto é 17 x 24? Provavelmente, você não tem a resposta imediata. Aqui, colocamos duas partes do seu cérebro para operar, como mostra o livro Rápido e Devagar: Duas formas de pensar; do autor Daniel Kahneman, prêmio Nobel em Economia.

A primeira questão remete ao pensamento intuitivo, o que o autor chama de Sistema 1, um trabalho mental rápido. Digamos que nem foi preciso raciocinar. Isso ocorre em operações simples da vida, quando agimos basicamente por reflexo. É o que ocorre quando estamos dirigindo, por exemplo. Se um animal surge na estrada, a reação imediata é frear ou desviar.

Já para responder o segundo cálculo, é preciso um pensamento mais lento, minucioso, e que demanda algum esforço. É preciso acionar seu sistema recordativo sobre como fazer contas matemáticas. Nesse caso, colocamos em ação o que Kahneman chama de Sistema 2: um pensamento lento, que busca a melhor decisão. Esse é o mesmo sistema acionado, por exemplo, para fazer investimentos: as pessoas não são levadas pela emoção – ou pelo menos não deveriam! É uma ação que requer um pensamento lógico.

Contudo, tanto um sistema de pensamento quanto o outro pode nos levar a ações erradas. Pense comigo: no caso do animal na estrada, 99% das pessoas frearia ou desviaria por intuição. Entretanto, muitas vezes acelerar o carro poderia ser a melhor escolha para evitar um acidente, evitando que o animal, por exemplo, colidisse com a lateral do carro. Seria uma decisão rápida, mas que uniria os Sistemas 1 e 2 do cérebro para resolver melhor o problema. Vamos entender isso melhor?

Podcast Hazilente #04: Livro Rápido e Devagar

Ambos os sistemas precisam ser levados em conta na vida pessoal e no mundo dos negócios. É preciso controlar impulsos do Sistema 1. Para isso, é necessário autoconhecimento para não agir desordenadamente. Há, claro, métodos para isso, como o Design Estratégico, que já apresentei neste outro artigo. Mas hoje queremos mostrar a partir do novo Podcast Hazeliente como melhorar sua visão de negócios com o conhecimento do livro Rápido e Devagar:

Neste episódio, eu (Rodrigo Medalha, sócio da Haze Shift); o Luiz Fernando Frederico, também sócio; o colaborador Matheus Carvalho, da área de Projetos e Operações; o convidado Samuel Brito; e o Luiz Henrique Costa, apresentador do Podcast Hazeliente trazemos em áudio um resumo do livro Rápido de Devagar: são quase 600 páginas em menos de uma hora.

Nós selecionamos os principais temas e os direcionamos para o mundo dos negócios. Ouça e aproveite para ler abaixo sobre os conteúdos que debatemos e saber como eles se aplicam ao seu dia a dia.

Efeito da Ancoragem

Existe algo na mente humana que executivos, empreendedores, líderes de equipe e vendedores deveriam conhecer. Refiro-me ao que é descrito no livro Rápido e Devagar como Efeito da Ancoragem: “Acontece quando as pessoas consideram um valor particular para uma quantidade desconhecida antes de estimar essa quantidade”, escreve Daniel Kahneman.

Em geral, as pessoas têm um julgamento pré-concebido conforme suas vivências, conhecimentos e experiências anteriores. Esse pré-julgamento está dentro do Sistema 1 do cérebro, e no mundo dos negócios cabe ao interlocutor remover essa “âncora cerebral” da cabeça, por exemplo, para convencer um CEO de uma proposta, um cliente no momento da venda. 

Nós da Haze Shift observamos isso em projetos de inovação aberta, que muitas vezes têm o objetivo de provocar uma mudança positiva na cultura de inovação da organização.Algumas vezes percebemos participantes de projetos em vários níveis da empresa cliente que resistem a essas ideias, por insistirem em fazer uso apenas de suas recordações pessoais, o que pode criar resistências e levar a decisões precipitadas. 

Acima de tudo, é importante saber que há alternativas para desconstruir essa resistência das âncoras de pensamento. O design estratégico é uma delas por ser uma ferramenta essencial na modelagem de negócios, que descrevi neste link. Com a compreensão de um problema inicial, conseguimos – em grupo – descobrir e definir um problema, gerar ideias e protótipos. Essa participação coletiva pode ser essencial para a quebra de paradigmas. 

Recentemente, meu colega e sócio Marcos Daniel também escreveu neste link sobre como fazer workshops online. Neste momento de pandemia, essa ferramenta também é capaz de remover âncoras mentais, ao dar aos participantes a possibilidade de pensar em conjunto com outras pessoas, com materiais dinâmicos e interação profunda.  

Para saber mais: 10 dicas para fazer um workshop online. O que aprendemos após 1 ano de pandemia

Há outro exemplo que ilustra bem como funciona essa âncora: quando um cliente chega em uma concessionária, geralmente ele está pré-disposto a gastar um valor. Aqui vamos considerar o valor hipotético de R$ 100 mil. Como convencer o cliente a gastar mais? Digamos que o carro que o cliente mais gosta custa R$ 140 mil, mas não pensa que aquele pode ser um bom negócio.

Vendedores experientes sabem que a insistência imediata (como um desconto de R$ 5 mil neste caso) não é a melhor opção, já que o cliente está ancorado no valor de R$ 100 mil. Portanto, é melhor pegar o contato do cliente e esperar, pelo menos, um dia para retornar com uma oferta melhor e adicionais (como um bom som, protetor de cárter e outros elementos) para aumentar a percepção de valor do automóvel.

Ambos os exemplos acima exemplos ilustram, um ajuste de ancoragem, trazendo ao cérebro do cliente o Sistema 2, em conjunto com o Sistema 1.

Dominando previsões intuitivas

Outro item abordado no livro de Daniel Kahneman é sobre previsões intuitivas. Às vezes, precisamos tomar decisões rápidas, quase que imediatas, acionando o Sistema 1 cerebral. Mas como fazer para torná-las assertivas?

Kahneman traz a situação de chefes de um grupo de bombeiros. Em uma situação de estresse, durante um incêndio, a vivência passada em situações similares pode resultar entre a vida e a morte para a equipe. Por isso o Sistema 1 é tão importante: quando ativado, ele pede uma ação imediata. Essa situação pode ser fuga ou enfrentamento.  

Nesse sentido, ao combater as chamas em um edifício, o teto ou mesmo o chão pode ceder, e um bom chefe de bombeiros tende a identificar rapidamente esse risco. Em segundos, ele precisa tomar a decisão de retirar o time do local, e para isso precisa fazer uma análise de risco. 

Isso significa que ele precisa parar por um momento para não se deixar levar pelo impulso, e unir a ação animal ao cálculo do Sistema 2 do cérebro. Seu instinto de sobrevivência, sua experiência passada e raciocínio teórico de aprendizado precisam estar unidos para tomar a melhor decisão.

Confiança excessiva impacta na transformação digital

O caso acima também nos leva a considerar o risco de colocar inteira confiança na intuição. E isso pode ser visto claramente no mundo dos negócios, mesmo que seja uma situação que não represente vida ou morte, como no caso do líder dos bombeiros. Mas pode representar o declínio e até a dissolução de empresas.

O autor chama isso de confiança excessiva: quando um líder toma decisões baseadas apenas em sua experiência, ou crença, a chance de fracasso é maior e pode impactar, inclusive, na evolução da transformação digital dos negócios. Às vezes, o viés cognitivo dos líderes pode afetar diretamente. Além da ancoragem, há a negligência da probabilidade das mudanças no mercado, deixando companhias e empreendedores de diversas áreas da economia para trás.   

Aqui cito novamente um artigo de um sócio, o Luiz Fernando Frederico. Ele explicou neste link sobre a transformação digital no agronegócio. Grandes, médios e pequenos produtores do agro conseguiram impulsionar a produtividade, por exemplo, através de elementos como agricultura de precisão e do uso drones para aplicação precisa de agroquímicos em talhões de plantio. E quem resistiu às novidades? Esta reportagem mostra que até mesmo a sucessão familiar no campo pode ser impactada, e as áreas produtivas familiares, infelizmente, podem acabar sendo vendidas a grandes empresas ou mega produtores. 

Dessa forma, para mim, fica claro que é importante empreendedores (do campo e da cidade) serem otimistas, mas precisam entender dois grandes riscos:

  • O de negligenciar fatos, sem analisá-los;
  • Criar ilusões internas, que afasta os empreendedores dos fatos concretos.

Medo de perder em Rápido e Devagar

E se existe a armadilha de excesso de confiança, existe também outro ponto de atenção quanto ao Sistema 1. O ser humano, em geral, como explica Daniel Kahneman, reage mais com mais intensidade a perdas do que a ganhos. Essa aversão à perda fica evidente quando vemos a seguinte pergunta, descrita no livro Rápido e Devagar:

  • O que você prefere? Conseguir novecentos dólares com certeza OU 90% de chance de conseguir mil dólares?

A maioria das pessoas opta pela aversão ao risco, e tende a embolsar os 900 dólares, sem risco de perda. Isso explica por que, muitas vezes, investidores preferem vender suas ações em uma startup promissora, por exemplo, mesmo com boas chances de ganhos. Afinal, o ambiente de negócios não é tão previsível assim.

O que isso mostra? Prova que a maioria das pessoas têm aversão ao risco, e preferem seguir a velha máxima: Um pássaro na mão do que dois voando. E, a menos que você tenha muito dinheiro para apostar (como é o caso de grandes empresas), é natural que haja aversão. Esquecem, contudo, que investimentos, por exemplo, em novos recursos digitais podem determinar ganhos fantásticos. Aqui na Haze Shift mostramos o exemplo como uma padaria se transformou neste sentido

Nesse sentido, mesmo ao conectar o Sistema 2 do cérebro, descrito pelo autor, muitos continuarão a optar no caso acima pelos 900 dólares. Se a conclusão final for essa, na minha opinião, está tudo bem: desde que você se incentive a fazer a reflexão e não agir por impulso (seja negar a proposta ou apostar sem pensar).

Estatísticas e o livro Rápido e Devagar

Para finalizar esse texto, eu quero deixar aqui uma pergunta: Quando confiar mais na estatística (Sistema 2 de pensamento) do que nos próprios instintos (Sistema 1 de pensamento)? Como já vimos acima, é importante considerar os dois tipos de pensamento, mas sempre que possível vale a pena pensar de forma estatística, especialmente no universo corporativo.

No livro Rápido e Devagar vemos outro exemplo, que eu particularmente gosto muito, e que nos mostra como é importante considerar variáveis antes de responder questões ou tomar decisões. Daniel Kahneman traz a seguinte reflexão, sobre um personagem:

“Steve é muito tímido e retraído, invariavelmente prestativo, mas com pouco interesse nas pessoas ou no mundo real. De índole dócil e organizada, tem necessidade de ordem e estrutura, e uma paixão pelo detalhe.”

O autor, então, dá uma lista de opções sobre qual seria a profissão de Steve: fazendeiro, bibliotecário ou médico? Pela representatividade e estereótipo, no que o Daniel Kahneman chama de a heurística da representatividade, tenho certeza sobre qual profissão você tem em mente. Vamos, então, reduzir as opções: Steve é bibliotecário ou fazendeiro?

Aqui entra a estatística, para ir além do estereótipo. Se para cada bibliotecário existem 20 fazendeiros, você continua achando que Steve é um bibliotecário? Qual é a probabilidade disso?

Com esse conhecimento, a maior chance é que Steve seja um fazendeiro. Isso mostra que as pessoas tendem a fazer escolhas que parecem lógicas, mas que se pararem para considerar outras variáveis podem mudar de ideia.

Por último, fica aqui a pergunta: você tende a fazer esse tipo de reflexões quando toma decisões em sua vida profissional? E na vida pessoal? Nós da Haze Shift adoraríamos ouvir a sua opinião e levar esse debate adiante. Participe aqui mesmo nos comentários, conheça mais sobre nossa empresa e vamos conversar sobre como melhorar seu ambiente de negócios tomando decisões assertivas e inovadoras.

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Designer estratégico, empreendedor, gestor de comunidades e com experiências em programas de pré-aceleração e aceleração. Sempre aberto a novos aprendizados e projetar novas soluções que agreguem valor ao negócio e à sociedade.