Provavelmente você esperava que eu comentasse sobre aplicativos como Uber e Airbnb logo no início deste texto. Porém, faço questão de mostrar outras oportunidades. Porque o significado de gig economy e uberização do trabalho não são idênticos. 

Na prática, por definição, gig economy é um conceito que atrai trabalhadores autônomos, ou seja, uma ampla gama de trabalhadores freelancers. São pessoas em busca de flexibilidade e de valorização de seus serviços. Contudo, o debate se torna mais complexo a cada ano. Antes de tudo, esse tema traz mudanças nas relações trabalhistas e está conectado ao futuro do trabalho

Em síntese, saímos de um modelo padrão de legislação trabalhista para construirmos um modelo que quebrou paradigmas, sem contratos de trabalho. 

Antigamente, os serviços autônomos estavam limitados a algumas poucas profissões. Agora, o significado de gig economy chegou a outras atividades. Assim como músicos, diaristas, médicos e advogados negociavam seus valores, agora designers, programadores e redatores, por exemplo, não são mais exclusivos de uma empresa. Com toda a certeza, eles têm a chance de pertencerem a si mesmos. E podem prestar serviços para várias empresas ao mesmo tempo.

Gig economy: tradução de um termo histórico 
A tradução de gig economy é algo histórico. O termo surgiu com as bandas de Jazz, no começo do século XX. Elas utilizavam o termo “gig” (abreviação de gigante) para se referir às apresentações. Como esses trabalhadores eram uma das poucas categorias que tinha flexibilidade de horários, mas sem benefícios de empresas, o termo gig economy acabou pegando. E é usado hoje para caracterizar trabalhadores autônomos. 

O significado de gig economy e a uberização do trabalho

Agora que já fizemos uma introdução sobre o significado de gig economy, podemos falar mais sobre a uberização do trabalho: termo que claramente surgiu pelas relações da Uber com seus motoristas, em que a empresa remunera o trabalhador conforme a quantidade de corridas em carros particulares. 

Neste sentido, vemos que gig economy e uberização do trabalho são termos inegavelmente conectados. Entretanto, a uberização tem por trás de si uma plataforma digital que cobra uma taxa para ligar um profissional à demanda de mercado. É o caso clássico da Uber: conecta motoristas a quem precisa de transporte rápido.

Não pense, contudo, que são apenas as gig techs e plataformas como a Freelancer que conectam profissionais e clientes. Atualmente, existe um aumento de iniciativas próprias, de trabalhadores comuns organizados. Há bons motivos para isso. Ao passo que empresas como Uber, Rappi e outras crescem, os trabalhadores reclamam de alterações frequentes nas regras de pagamento pelos serviços. 

Cooperativismo de plataforma

Contudo, ao invés de apenas se queixarem, e dizer que nada poderem fazer senão aceitá-las, pois dependem do serviço para sobreviver, um movimento pioneiro surgiu na última década: o cooperativismo de plataforma. Os trabalhadores se unem para criar seus próprios aplicativos de trabalho sob demanda. 

As ferramentas do projeto Pajara (Espanha) e Coop Cycle (Europa e América do Norte), por exemplo, são cooperativas de entregadores de aplicativos que surgiram com o propósito de trazer melhores ganhos para os trabalhadores. No Uber Eats, por exemplo, a empresa ganha uma porcentagem de restaurantes e supermercados e oferece uma remuneração por corrida ao entregador. Já nessas ferramentas, os trabalhadores recebem a corrida mais uma porcentagem da venda. Este documentário explica melhor (em inglês): 

Eu penso que esse modelo cooperativo pode ser o futuro da gig economy. Além de tudo, de fato, isso mostra que a uberização potencializa o gig economy. Uma plataforma como a Freelancer é capaz de conectar profissionais e clientes que jamais se conheceriam apenas por indicações ou redes como o LinkedIn.

Além de motoristas e entregadores, outro exemplo de cooperativa se chama Beyond Care, de Nova York. Ela é formada por enfermeiras, donas de casa e trabalhadoras de cuidados infantis. Ela existe desde 2003 e não é um aplicativo. Porém, é uma modalidade de gig economy. Isso porque auxilia as profissionais a conseguirem trabalhos. Elas têm horas flexíveis e remunerações conforme as exigências de salário mínimo local. Graças a suas contribuições à cooperativa, elas têm direito a férias, licença e auxílios. Isso é incomum para autônomos. 

Gig economy: exemplos no mundo físico e no universo digital

Como dissemos, de fato, os profissionais da Gig  Economy podem não ter mais alguns benefícios como FGTS e 13º salário. Contudo, podem se valorizar ao fornecerem trabalhos especializados. A transformação digital permite a um profissional de Alagoas ou Rio Grande do Sul prestar serviços para uma empresa de São Paulo em uma semana. Na outra, para uma empresa de Recife, por exemplo. 

Em tempos de pandemia, isso foi ainda mais potencializado. Neste sentido, eu pensei em dois exemplos que ilustram bem o significado de gig economy:

  • Mundo físico: pense em uma florista “presa” a um trabalho em uma floricultura. Diariamente, ela produz arranjos perfeitos para eventos. Ao mesmo tempo em que ela percebe a alta demanda e recebe elogios de clientes, por outro lado, o patrão se nega a aumentar seu salário. Apesar disso, ela começa a fazer alguns serviços “por fora” para eventos corporativos e ganhar um bom dinheiro. Ao passo que aumenta a desmotivação no trabalho, ela percebe que pode viver nesse universo autônomo. De fato, isso é o conceito de gig economy no mundo físico.
  •  No mundo digital: quem disse que arquitetos precisam se limitar a prestar serviços para clientes de uma região específica? Aliás, podemos ilustrar isso com um exemplo da TV a Cabo. A fim de driblar a pandemia, o canal GNT transformou seu programa de decoração. O programa mudou de nome: o “Decora” virou “Decore-se”. No Decora, o arquiteto Maurício Arruda visitava casas em São Paulo para redecorar um ambiente. No Decore-se, a arquiteta Stephanie Ribeiro faz projetos à distância e orienta os clientes a colocarem a mão na massa.

Sobretudo, isso comprova que limitar o conceito de gig economy e uberização a serviços de entrega e motoristas é um erro. Trata-se de conectar pessoas. 

Trabalho intermitente: um debate para levar a sério

Neste sentido, para mim fica claro que a legislação trabalhista precisa se modernizar. Sem dúvida a reforma trabalhista de 2017 no Brasil foi um primeiro passo. Aliás, uma das propostas foi o contrato de trabalho intermitente. O patrão convoca um funcionário conforme a necessidade com, pelo menos, três dias de antecedência.

Ademais, os trabalhadores têm seus direitos trabalhistas garantidos (como FGTS e 13º proporcional). A exceção é o seguro desemprego, já que no trabalho intermitente é possível firmar contrato com mais de um empregador, e há a liberdade de aceitar (ou não) o serviço para que foi convocado. Isso mostra como o significado de gig economy pode estar presente nas relações trabalhistas. Afinal, há certas liberdades para o trabalhador. E a conexão pode ser feita por plataformas.

Depois que a Lei 13.467/2017 regulamentou o trabalho intermitente na CLT, o caso parou no Supremo Tribunal Federal. Federações e sindicatos entraram com ações de inconstitucionalidade. Até o início de dezembro de 2020, três dos 11 ministros do STF votaram. Relator do caso, Edson Fachin acatou os pedidos. Kassio Nunes Marques e Alexandre de Moraes, votaram contra. Rosa Weber pediu vista. Como resultado, interrompeu o julgamento, que deve ser retomado nos próximos meses.

Nós da Haze Shift acompanhamos essas questões de perto. Afinal, inovação, gig economy, uberização do trabalho e transformação digital são temas que nos competem em nossas consultorias. Vamos continuar esse debate. Enquanto isso, fica o convite: deixe aqui a sua opinião ou agende uma conversa conosco. Nós estamos prontos para ajudar!

Escrito por:

Luiz Fernando S. Frederico
Digital Transformation Leader & Co-Founder de Haze Shift | + posts

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