Esses dias eu pensei em uma maneira de como poderia transformar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030 da ONU, em algo palpável e realista para empresas. Neste link eu dei uma visão geral sobre o tema, e agora nós da Haze Shift queremos mostrar como a aplicação prática de ODS é possível nas empresas com um olhar para a inovação.

Inclusive, quando falamos de ODS nas empresas, as quatro primeiras dependem fortemente de como as organizações gerenciam seus negócios. Vamos relembrá-las?

  • Erradicação da Pobreza: que tem como meta reduzir pela metade, até 2030, as pessoas que vivem pela pobreza e erradicar a extrema pobreza. Conheça mais sobre esta meta de ODS aqui.
  • Fome Zero e Agricultura Sustentável: busca garantir sistemas sustentáveis de produção e distribuição de alimentos, e até 2030 dobrar a produtividade agrícola e renda de pequenos produtores. Conheça mais sobre esta meta de ODS aqui.
  • Saúde e Bem-Estar: busca atingir a cobertura universal de saúde, reduzir mortes no trânsito, reduzir a um terço a mortalidade prematura, acabar com epidemias de diversas doenças e as transmitidas pela água. Conheça mais sobre esta meta de ODS aqui.
  • Educação de qualidade: aumentar o contingente de professores qualificados até  2030, e garantir que alunos tenham conhecimentos e habilidades necessárias para o desenvolvimento sustentável. Conheça mais sobre esta meta de ODS aqui.

Sem mais delongas, vamos entender a relação desses ODS com empresas:

ODS nas empresas: erradicação da pobreza (ODS 1)

O primeiro ponto totalmente aplicável e sustentável aqui é olhar para alternativas que apostem nessa camada trabalhadora. Existe uma massa de 700 milhões de pessoas que vivem com menos de 1,90 dólar por dia, segundo a ONU, e mais da metade do planeta com menos de 8 dólares por dia.  As empresas podem auxiliar olhando para dois pontos importantes:

  • As comunidades no seu entorno;
  • Na própria capacidade consumidora dessas pessoas. 

Aqui vale, inclusive, uma aula de história. Durante a Revolução Industrial, principalmente no século XIX, uma grande massa de trabalhadores que migrou do campo para as cidades foi obrigada a trabalhar em indústrias, cada vez mais produtoras em larga escala. As condições de trabalho eram péssimas, mas algo melhorou após a pressão social da própria classe trabalhadora, e também porque as empresas começaram a enxergar trabalhadores como potenciais consumidores daquelas produções em larga escala.

Leia também: Qual é a relação entre ESG e inovação e como acelerar a aderência a essas 3 letras

O que é possível aprender com isso? Que, assim como as indústrias perceberam que seus trabalhadores poderiam se tornar consumidores,  em nossas comunidades existem milhares de consumidores em potencial. 

Nesse sentido, fortalecer a renda de pessoas e organizações locais é uma boa pedida tanto para gerar renda quanto para gerar consumidores. Veja uma exemplo:

Ao invés de contratar pessoas e empresas de locais distantes para fazer certos serviços, como coleta de resíduos recicláveis, por que não buscar cooperativas e trabalhadores da comunidade do entorno? É uma forma de ampliar a renda da comunidade, que além de se sentir valorizada, é uma potencial embaixadora da marca e consumidora de produtos.

Há também a possibilidade de trazer desafios de inovação aberta focados localmente, como o Social Hackathon, promovido pelo Grupo Paranaense de Comunicação (Grpcom), através de seu Instituto, apoiado por nós da Haze Shit com a plataforma da Taikai, nossa parceira. O desafio das equipes é desenvolver soluções de comunicação, tecnologia e inovação para as ONGs, gerando impacto positivo na sociedade durante a pandemia. Dessa forma, mantendo essas ONGs vivas, as empresas apoiam ações que combatem problemas sociais como a pobreza. 

Inovação Frugal

E esse termo, já ouviu falar? O conceito não é novo, mas ganhou forças nos últimos anos após um artigo publicado no The Economist em 2010 e depois com a publicação do livro “Frugal Innovation: How to do more with less“, de Navi Radjou e  Jaideep Prabhu em 2012. 

A essência dessa forma de inovação é buscar desenvolver soluções e produtos a custos reduzidos, entregando o que realmente é necessário para consumidores de baixa renda ou de forma geral, em países em desenvolvimento. E dado o desafio de inovar com tantas limitações e ainda assim desenvolver um produto viável e desejável, o modelo de inovação aberta aumenta em muito a chance de cocriar soluções de real valor para esses consumidores e reduzir os custos de produção, logística e suporte. 

No Brasil, temos excelentes exemplos que unem inovação frugal e aberta. Com parcerias entre empresas, universidades e comunidades, pequenas soluções podem gerar renda de forma sustentável. Veja um exemplo de inovação frugal:

O açaí cultivado no Norte do país por pequenos produtores é comercializado por pequenos comerciantes e consumido por todas as classes sociais do Pará. Mostra-se, portanto, uma fruta energética de combate à pobreza. Mas também gerou frutos por uma ação de inovação frugal: o caroço do açaí, que viraria lixo, pode gerar outros produtos, como calçadas e tijolos. Isso mesmo! Um problema ambiental que pode ser utilizado em construções, gerar emprego e renda.

O vídeo abaixo revela mais sobre essa mescla de inovação aberta e frugal com o exemplo do açaí. Confira como estudantes, empresas e comunidades podem resolver problemas e reduzir a pobreza com criatividade:

ODS 2: Agricultura Sustentável e Fome Zero

Com 795 milhões de pessoas vivendo em situação de desnutrição até 2014, segundo a ONU, esse é outro tema que precisa ser atacado pelas empresas. E não são apenas as do agro que podem fazer sua parte. A colaboração na erradicação da pobreza, claro, já colabora muito para isso. Mas a valorização da agricultura familiar e de pequenos cultivos é um facilitador, pois reduz até mesmo o uso de conservantes e pesticidas. Reflita sobre alguns motivos:

  • Se sua empresa serve refeições aos colaboradores, qual a porcentagem tem origem em compras diretas de produtores locais? A pergunta também vale para sua casa, já que existem até mesmo aplicativos de entrega de produtos da agricultura familiar, como o aplicativo Rede Coop, que é citado pela própria ONU como exemplo.
  • Quanto mais próximas as entregas, o valor do frete tende a ser menor e, consequentemente, menor a emissão de gases do efeito estufa. Da mesma forma, o uso de conservantes e defensivos agrícolas não é tão exigido, já que contratos locais favorecem esse transporte próximo para consumo rápido de alimentos frescos in natura.

Mas além desse incentivo, quando falamos em inovação aberta, há soluções que transcendem essas parcerias. E a transformação digital do agronegócio no Brasil é um exemplo para o mundo, já que vem conseguindo ao longo dos anos aumentar a produtividade e sem expandir [muito] as áreas nativas.

Isso é feito com agricultura de precisão (coleta de materiais do solo), uso de veículos e drones (para identificar talhões que precisam de defensivos agrícolas, sem espalhar agroquímicos por toda a propriedade), entre outros elementos. Tudo feito a partir de parcerias de inovação aberta entre cooperativas, startups, universidades e, claro, produtores – inclusive os menores, que têm acesso a esses recursos pelas cooperativas.

Nesse sentido, meu sócio de Haze Shift Luiz Fernando Frederico publicou um artigo que explica perfeitamente essa questão e como ela está conectada aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. Já reserve um tempinho para uma nova leitura, confira e ouça o podcast:

Leia aqui sobre a transformação digital no agronegócio e os motores da inovação dentro e fora da porteira

ODS 3: Saúde e bem-estar

Você percebeu que, ao incentivar as empresas a aplicarem as duas ODS acima, estamos favorecendo diretamente a saúde e o bem-estar de seus stakeholders, como comunidade do entorno e colaboradores, por exemplo? Pois bem, agora vamos um pouco mais além nesse tema.

Não é novidade que a Covid-19 pegou a todos de surpresa, inclusive a ONU, pois os objetivos dessa ODS não previam uma nova pandemia, mas sim a reversão e o controle de epidemias como AIDS, tuberculose, malária e doenças tropicais. E é nesse ponto que a inovação aberta e a transformação digital da saúde se tornam importantíssimos para reduzir as desigualdades no acesso à medicina, com menos exames presenciais e mais consultas remotas. Confira:

Leia mais sobre inovação em saúde: hospitais, planos de saúde e clínicas estão se preparando para o pós-pandemia?

Nesse sentido, a realização de exames laboratoriais remotos, desenvolvidos por startups, não é apenas um exemplo para pessoas usarem em casa: seu transporte é aplicável em regiões remotas, atendidas por ONGs como Médicos sem Fronteiras (MSF). Inclusive, as próprias doações do MSF são, ao que tudo indica, convertidas em produtos sustentáveis.

O site do MSF dá como exemplo que uma doação de R$38 por mês equivale a 21 sachês de alimento terapêutico à base de amendoim, e outra de R$65 equivalem a 13 testes rápidos de HIV. Ou seja, amostras de como parceiras de inovação aberta funcionam com parceiros fornecedores de alimentos e de equipamentos médicos.

ODS 4: Educação de Qualidade

E agora que chegamos ao Objetivo da Educação de Qualidade, proponho aqui uma reflexão: se um dos objetivos deste ODS é aumentar substancialmente o contingente de professores qualificados, as próprias empresas não poderiam ser motores de qualificação? Eu acredito que sim.

Pense comigo: cada empresa tem um nicho de especialidade, e algo útil a repassar de conhecimento a crianças e adolescentes. Seja por bancários que podem ensinar educação financeira, ou até mesmo por corretores de seguros que podem mostrar a importância do seu trabalho, entre outros exemplos que podem inspirar jovens a continuar na escola e concluir os estudos. O próprio governo poderia oferecer incentivos fiscais a empresas parceiras de atividades com a rede pública de ensino. Afinal, bons modelos nesse campo não faltam. E eu me lembro bem de um deles:

Há algum tempo, nós da Haze Shift fizemos a ponte de inovação aberta com a multinacional de biotecnologia Novozymes e a startup de irrigação Favo Tecnologia. Juntas, as empresas realizaram uma atividade que uniu todos os ODS citados neste texto.

Em parcerias com escolas públicas na região metropolitana de Curitiba, a Novozymes levou um técnico para palestrar sobre solo e a Favo levou recursos para automatizar pequenas hortas nas escolas. Eu me lembro bem como em uma das escolas os alunos pegaram gosto pela tecnologia e agricultura em pequenos espaços, mais ou menos como ocorre na agricultura familiar.

Bom, coincidência ou não, a produtividade foi tão boa que essa escola, que tinham o objetivo de cultivar seu próprio alimento para as merendas, acabaram tendo de achar um jeito para os produtos não estragarem. A solução foi doar à comunidade. Perceba: dessa forma o projeto da empresa colaborou com a agricultura sustentável, a redução da fome, a saúde e o bem-estar com alimentos in natura tanto na escola quanto com as famílias locais. 

Por fim…

Agora que já falamos sobre as primeiras quatro ODS, e comprovamos que elas estão altamente conectadas ao trabalho corporativo, fica o convite: diga para nós nos comentários como sua empresa enxerga esses objetivos. E confira também em nosso artigo sobre ESG e inovação como isso pode gerar retorno financeiro e aproveite para entrar em contato caso vocês estejam pensando em um projeto de conexão entre os temas aqui citados. Em breve traremos outras ODS e sua relação com empresas para que você possa se inspirar e inovar. Fiquem ligados!

Escrito por:

Leo Tostes - Open Innovation Specialist - Haze Shift
+ posts

Consultor em inovação aberta, especialista em design estratégico, com experiências em desenvolver programas e ações criativas para grandes empresas.